domingo, 7 de agosto de 2011

RACISMO: UMA DAS ORIGENS


No Antigo Testamento há uma passagem importante, usada como pretexto ideológico para o racismo: “Sendo Noé lavrador, passou a plantar uma vinha. Bebendo do vinho, embriagou-se e se pôs nu dentro de sua tenda. Cam, pai de Canaã, vendo a nudez do pai, fê-lo saber, fora, a seus dois irmãos. Então, Sem e Jafé tomaram uma capa, puseram-na sobre os próprios ombros de ambos e, andando de costas, rostos desviados, cobriram a nudez do pai, sem que a vissem. Despertando Noé do seu vinho, soube o que lhe fizera o filho mais moço e disse: Maldito seja Canaã; seja servo dos servos a seus irmãos. E ajuntou: Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem; e Canaã lhe seja servo. Engrandeça Deus a Jafé, e habite ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo.” (Gênesis 9:20 a 27)
Segundo a Bíblia, o repovoamento do mundo após o dilúvio foi iniciado pela prole de Noé: Sem, Jafé e Cam e suas esposas. Uma interpretação cristã produziu o seguinte mapa, datado de 1472:












  • No mapa, a geografia se coloca a serviço da religião. A Terra é dividida em três partes (separadas por um “T” ou por uma cruz), a Europa, a Ásia e a África, circundadas pelo oceano, o “MARE OCEANVUN”. Jafé e sua prole povoaram a Europa, Sem e sua prole povoaram a Ásia e Cam e sua prole povoaram a África.

    Pela interpretação dada à passagem bíblica, Noé, embriagado, adormeceu despido. Jafé e Sem trataram de cobri-lo, sem olharem para sua nudez, em sinal de respeito. Cam, pai de Canaã, riu do estado de seu pai. Noé amaldiçoou Cam, condenando sua descendência à escravidão. E Jafé e Sem seriam senhores dos descendentes de Cam.

    Portanto, o fundamento ideológico para justificar a escravidão de africanos, os “filhos de Cam”, estava lançado. E a elaboração da consciência racista incluía a divisão dos não cristãos em duas categorias, o pagão e o infiel. O primeiro deveria ser convertido e o segundo, combatido.

    A partir do século XV, a Revolução Comercial institucionalizou o renascimento da escravidão. O capitalismo em formação resgatou a escravidão antiga (da Grécia e de Roma), praticamente inexistente na Idade Média europeia, cuja força de trabalho era a servidão.
    Na escravidão moderna, o escravo tinha duplo valor, valor de troca e valor de uso. O primeiro era o valor comercial, de mercado, do tráfico humano. O segundo era o do trabalho escravo produzindo mercadorias para o sistema capitalista comercial. Assim, o escravo, por ter duplo valor, era duplamente gerador de capital, acumulado no centro do sistema. A justificativa ideológica se casava com os interesses da acumulação primitiva de capital. Ou, para ser mais preciso, a superestrutura se adequava às bases materiais, infraestruturais.

    As justificativas bíblicas deram origem a outros argumentos, ditos “científicos”, classificando a humanidade em “raças”. Um dos mais influentes teóricos racistas foi o francês Joseph Arthur de Gobineau, que viveu entre l816 e l882. Em seu Ensaio Sobre a Desigualdade das Raças Humanas defende a superioridade da “raça ariana” e trata a miscigenação como impedimento para um povo atingir o estágio de civilização.

    No caso do Brasil, a escravidão institucionalizada existiu até 1888. Mas, a partir da metade do século XIX, o trabalhador imigrante europeu passou a substituir o trabalho escravo, principalmente nas fazendas de café do Oeste Paulista. Entre as razões para justificar a imigração estava a “necessidade de embranquecer a população”. O próprio Gobeneau, que morou no Rio de Janeiro entre 1869 e 1870 a serviço de seu país, afirmou que a mestiçagem impediria eternamente o progresso no Brasil.



  • Teses como essas plasmaram muitos intelectuais do final do Império e início da República. A intelectualidade se colocava a favor ou contra nos debates privados e públicos, nos cafés, nos jornais, nas câmaras políticas, nos gabinetes.
    Em 1895, o quadro “A Redenção de Cam” (de Modesto Brocos, espanhol radicado no Brasil) foi premiada na Escola Nacional de Belas Artes com a medalha de ouro.
    Na pintura, há uma idosa negra com as mãos para o céu, agradecendo o fato de seu neto ter nascido branco, visto ser fruto da relação de um homem branco com uma mulher mestiça.
    O artista soube captar perfeitamente o desejo elitista de embranquecimento da população. E as teses racistas se consolidaram, principalmente nos ciclos formadores de opinião, como a Escola Nacional de Belas Artes. Para as elites, a população brasileira deveria ser como a europeia: branca, ariana, filha de Jafé.









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