A revista Carta Capital nº 621, de 10/11/2010, revela a reação de alguns brasileiros, entre eles José Serra, aos resultados das eleições de 31/10/2010, nas quais Dilma Rousseff saiu vencedora para a Presidência da República.
Reproduzo algumas opiniões recolhidas da reportagem:
“...eu quero dizer: nós apenas estamos começando uma luta de verdade (...) em defesa da pátria, da liberdade, da democracia!” (José Serra)
“Nordestino não é gente, faça um favor a São Paulo, mate um nordestino afogado!” (Mayara Petruso, estudante de Direito em São Paulo)
Outras declarações: “Trocaram voto por miolo de pão.”... “Valeu, Nordeste, mais quatro anos vivendo às nossas custas.”... “80% do Amazonas votaram em Dilma...cambada de índio burro.”
E eu estava preparando aulas sobre totalitarismos de esquerda e de direita, sobre racismo e preconceitos, sobre “limpeza étnica”. Da revista, voltei aos livros. Foi assim na Alemanha nazista, nos EUA da Ku Klux Klan, na África do Sul e a política do apartheid, na antiga Iugoslávia em que sérvios e croatas fizeram a “limpeza étnica”contra os bósnios, na ação dos skinheads. E há lamentáveis outros exemplos a permanecer como uma nódoa nas consciências dos homens, se é que eles as têm.
Neste caso, e só neste caso, estou com Vargas Llosa, que nos ensina: “A grandeza trágica do destino está talvez nesta situação paradoxal que não deixa ao homem outra escapatória se não a luta contra a injustiça, não para acabar com ela, mas para que ela não acabe com ele.”
Estou, e não só neste caso, com Hannah Arendt, investigadora das engrenagens do totalitarismo, desde a propaganda até os campos de concentração. Para ela, os campos de concentração têm por objetivo a destruição dos direitos de toda a população, não apenas para quem neles estão. São a “invenção do Mal radical”.
Queria ter o poder de alertar as pessoas tratadas na reportagem (e aquelas que concordam com elas) sobre o perigo de suas opiniões políticas. Elas estão autorizando os brutos a “pisarem na flor do jardim”, sem darem conta de que será apenas “o primeiro dia”.
Voltando a Hannah Arendt, queria ter o poder de alertar os que concordam com o discurso de Serra: “Na política (...) o auto-embuste é o perigo por excelência: o impostor auto-enganado perde todo o contato não só com a platéia, mas também com o mundo real...”
Onde estão, “entre as ruínas da História, os restos da Razão?”
Como pode José Serra discursar defendendo a Liberdade e a Democracia, sem aceitar e reconhecer a vitória democrática de outro partido?
Segundo a Carta Capital, há um largo espaço para o surgimento de um partido político declaradamente de direita. Digo que há um vácuo deixado pela AIB, pela UDN, pela ARENA, pelo PDS, pelo PFL e pelo moribundo DEM. E a História prova que sempre houve atitudes e atos golpistas antidemocráticos. Se surgir um partido de direita que respeite a verdade das urnas, mesmo que seja contra ele, que seja bem-vindo para enriquecer a democracia. Mas a História não deixa dúvidas: um partido de direita usa a democracia para chegar ao poder e, depois, anula a própria democracia.
Aprendi, nos bancos da USP, que um historiador deve ter uma distância de, no mínimo, cinquenta anos entre ele e o fato histórico por ele analisado. Mas, aos sessenta e três anos de idade, tenho certeza que não viverei mais cinqüenta. Arrisco uma análise do futuro, fundado no conhecimento do passado: se a ala peesedebista que apoiou Serra dominar o partido, alicerçada nas ideologias expressas nas eleições de 2010, corremos todos os risco de reinventarmos o “Mal radical” estudado por Arendt. Honestamente, jamais desejei tanto estar completamente errado.
É que as coisas se dão de modo sutil, começando por anedotas aparentemente inocentes, mas contendo uma tara racista. Sem nenhuma graça.
Sinceramente, Wagner, é difícil assimilar esta onda de intolerância. Seu texto ajuda a compreender - e a temer - o que tem ocorrido.
ResponderExcluirSe puder, olhe também este texto http://xucurus.blogspot.com/2010/11/os-nao-lugares-da-pos-modernidade-texto.html.
Um abraço.
Thaís
Diz um professor da USP, que "a Mayara Pretruso, para escrever e iniciar essa onda de preconceito, precisa necessariamente ter tido tal conversa com os pais, ou seja, deve,dentro de casa e junto com os pais, ter iniciado esse tipo de pensamento irracional que criou esse preconceito.
ResponderExcluirPara agir com tamanha naturalidade, isso só pode ter ocorrido dentro de casa."
Tal ato se expressa de forma lamentável e concomitantemente antidemocrático. Ao que parece, a democracia não existe em sua totalidade em nosso país, afinal, entender e respeitar a cultura dentro do nosso país é um expoente democrático.
Abraços Wagner.
A democracia não existe na totalidade em nenhum lugar, mas a nossa democracia (brasileira) é especial.
ResponderExcluirPartidos falam desesperadamente de uma democracia mais justa, mais (redundantemente)democrática e quando têm, ou tiveram, a chance de mostrar o que seria isso simplesmente continuam com o ciclo do "o próximo governo será mais democrático"
Caio;
ResponderExcluirPreciso saber se você é meu aluno e em que turma. Acredito que posso aprofundar o assunto de seu interesse: democracia.
Um beijo democrático,
Wagner