terça-feira, 10 de janeiro de 2012

REVOLTAS NATIVISTAS


Até a metade do século XVII, os colonos residentes no Brasil, inclusive os aqui nascidos, não faziam grande diferença entre eles próprios e os habitantes da metrópole. Ideologicamente, a única diferença entre eles e os da metrópole era de origem geográfica, tendo apenas um oceano a separá-los. É o fenômeno do transoceanismo, nos dizeres de Capistrano de Abreu: os colonos tinham os pés no Brasil e a cabeça em Portugal. Enquanto a produção açucareira, principal atividade colonial, dava lucro, a aristocracia rural e a política metropolitana estavam em harmonia. Os senhores de engenho, embora explorados pelo mercantilismo português, eram exploradores da massa escrava e detinham muitos privilégios. A maior parte do capital gerado pelo açúcar ia para a Holanda, então sócia de Portugal, que ficava com a segunda maior parte, deixando aos senhores de engenho uma parcela menor, mas capaz de garantir seu nível de elite dentro da colônia.
Nesses cento e cinquenta anos iniciais do Brasil português, as revoltas fundamentais eram as dos negros e dos índios contra a elite branca exploradora e escravocrata. Nasciam os primeiros quilombos.
A União Ibérica, iniciada em1580, e a Restauração portuguesa, de1640, começaram a mudar essa realidade das relações entre colonos e metropolitanos. A invasão holandesa, durante a União Ibérica, a luta para expulsar os invasores, o colapso da economia açucareira nordestina que se seguiu e a mudança da política mercantilista adotada pela dinastia de Bragança, que passou a ser mais centralizadora e mais opressora, alteraram a visão que os colonos tinham dos metropolitanos. Começaram e entender que a diferença entre eles e os reinóis não era apenas de ordem geográfica: os primeiros eram os explorados e os segundos os exploradores. Surgia e chamado sentimento nativista. A princípio, o nativismo era muito tímido e difuso, mas já serviu para embasar ideologicamente as primeiras revoltas, enquanto a crise econômica embasava materialmente as lutas coloniais.
Os movimentos nativistas foram isolados entre si, no tempo e no espaço. Não representaram ideais de independência, de ruptura com o sistema de exploração mercantilista luso. Não questionaram o regime de monopólio implícito no pacto colonial. Caracterizaram-se pela oposição a uma determinada pressão econômica, pressão fiscal, geradas pelo enrijecimento do pacto colonial de Portugal sobre o Brasil.

PRINCIPAIS REVOLTAS NATIVISTAS

Aclamação de Amador Bueno, em São Paulo, 1641

A notícia da Restauração do trono português, em 1640, provocou um estado de tensão na vila de São Paulo de Piratininga. Ali, durante a União Ibérica, houve forte autonomia municipal, agora ameaçada pelo receio de perseguições políticas por parte de Portugal. Os espanhóis da região também ficaram temerosos, pois, há muito, faziam contrabando com a região do Prata. Somam-se a isso os conflitos entre bandeirantes e jesuítas, que culminaram com a Botada dos Padres Fora.
                                               ( Aclamação de Amador Bueno, obra de Oscar Pereira da Silva, de 1931)

Duas famílias representavam dois grupos políticos na vila: a família Garcia Pires, portuguesa, e a família Camargo, espanhola. Com o fim da União Ibérica, os espanhóis de São Paulo tentaram manter a vila ligada à Espanha. Ao aclamarem Amador Bueno da Ribeira “Rei de São Paulo”, este se recusou e proclamou fidelidade ao novo Rei de Portugal, D. João IV.

Insurreição Pernambucana, 1645 a 1654

Embora nem todos os estudiosos admitam, a Insurreição Pernambucana é vista como importante movimento para a construção do “nativismo” no Nordeste brasileiro, surgido na conjuntura da invasão holandesa.
A resistência contra os invasores provocou grave crise na economia açucareira, com engenhos destruídos, canaviais incendiados e fuga de escravos. A acomodação de interesses entre invasores e senhores de engenho ocorreu quando, através de Maurício de Nassau, a Companhia das Índias Ocidentais, holandesa, passou a financiar a reconstrução dos engenhos e fornecer escravos vindos dos locais também invadidos pela Holanda na África. Quando a Companhia (WIC) adotou a política de confisco, cobrando os empréstimos feitos anteriormente, os senhores de engenho estavam ainda em crise financeira, agravada pela constante fuga de escravos para os quilombos, pela varíola, por incêndios, inundações e secas prolongadas. Era o fim da “acomodação de interesses” e a guerra pela expulsão dos invasores foi retomada.
A assinatura da Trégua dos Dez Anos (1641 a 1651) deixava D. João IV numa situação delicada, pois não podia oficialmente atacar as posições mantidas pelos holandeses. Mas isso não significou que não houvesse um apoio luso, extra-oficialmente. Nos anos iniciais da guerra pela expulsão, portanto, coube aos próprios colonos luso-brasileiros a liderança e a organização da luta. Os líderes da Insurreição Pernambucana foram André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, o negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão.
Na Batalha do Monte das Tabocas, em 1645, as forças luso-brasileiras derrotam os holandeses, retomando Alagoas e Sergipe, que se somaram ao Maranhão, já libertado. Na primeira Batalha de Guararapes (abril de 1648), os invasores foram novamente batidos, reduzindo cada vez mais o espaço por eles dominado. No ano seguinte, na segunda Batalha de Guararapes, nova derrota flamenga, desmantelando o controle militar e desestimulando comerciantes holandeses a permanecerem no Brasil.
Em 1651, dois fatos importantes colaboraram para a vitória final em favor dos luso-brasileiros. Em primeiro lugar, houve o fim da trégua assinada dez anos antes, liberando a ação militar de Portugal para defender sua colônia. Em segundo lugar, o Ato de Navegação, promulgado por Oliver Cromwell durante a Revolução Puritana, provocou a guerra entre a Inglaterra e a Holanda, impedindo que esta enviasse tropas para o Brasil.
Em 1653, reforços enviados por Portugal bloquearam Recife por mar, enquanto, por terra, os holandeses eram atacados pelas forças de Barreto de Meneses, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros. Em 23 de janeiro de 1654, o comandante holandês entregou-se na Campina da Taborda. Era o fim da invasão holandesa e, ao mesmo tempo, a semente plantada do sentimento nativista, militarmente vitorioso.

OUTRAS REVOLTAS EM PERNAMBUCO
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Revolta de Beckman, no Maranhão, em 1684

As atividades econômicas do Maranhão sempre foram secundárias para Portugal, que priorizava Pernambuco e capitanias vizinhas, as áreas mais ricas do Brasil açucareiro. A fragilidade financeira dos senhores de terra na Maranhão impedia, ou dificultava, a compra de escravos negros para suas lavouras. A solução, frequentemente, era o uso do indígena como escravo. A Companhia de Jesus era contra a escravização do índio, o que provocava constantes conflitos entre os jesuítas e os colonos.
Na tentativa de solucionar o problema, Portugal criou, em 1682, a Companhia de Comércio do Maranhão, que teria o monopólio do comércio de produtos maranhenses por 20 anos e a obrigação de introduzir 10.000 escravos negros, 500 por ano, além do estanco de trigo, azeite, vinho e bacalhau. Porém a Companhia não cumpriu o contratado, cobrando elevados preços pelas mercadorias trazidas e pagando baixos preços pelas mercadorias maranhenses.
Contra tal situação, levantaram-se os colonos, liderados pelos irmãos Beckman. Latifundiários e comerciantes se revoltaram, expulsando os jesuítas e saqueando os armazéns da Companhia. Derrubaram o governador e formaram uma Junta Governativa, composta por seis membros, representantes do clero, dos senhores de terra e do povo. Os rebeldes tentaram apoio do Pará, mas não conseguiram. Tentaram justificar seus motivos ao rei de Portugal, mas seus emissários foram presos.
No ano seguinte, um novo governador, Gomes Freire de Andrade foi enviado ao Maranhão, reprimindo a liderança rebelde, enforcando Manuel Beckman e Jorge Sampaio. Por outro lado, a Companhia de Comércio foi suspensa por dez anos e os colonos poderiam escravizar índios aprisionados em “guerra justa”.

Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais, 1708 a 1709

Os paulistas pretendiam a posse exclusiva das minas de ouro das “Gerais”, por eles descobertas. A ausência de órgãos metropolitanos agindo na região tornava difícil o cumprimento da legislação. Os “emboabas”, como eram conhecidos os forasteiros, principalmente os portugueses, receberam, em 1700, autorização para ali permanecerem. Ligavam-se não só à mineração, mas também ao comércio de carnes, fumo, aguardente e artigos de contrabando.
Pequenos incidentes isolados serviram de pretexto para a revolta. Um deles foi o assassinato de um português casado com uma paulista, a quem maltratava. Outro foi a acusação de roubo de uma espingarda de um paulista feita a um português. Outro ainda foi o assassinato de um emboaba por um paulista que, fugindo, asilou-se na casa de seu patrão, depois morto pelos emboabas.
Em 1708, Manuel Nunes Viana, foi proclamado pelos próprios emboabas “Governador das Minas”. Eclodem as lutas, com combates em Sabará e Cachoeira do Campo. Os paulistas deixaram a região de Caetés, indo para o Rio das Mortes. Ali, sob a liderança de Bento do Amaral Coutinho, os emboabas massacraram 300 paulistas, daí derivando o nome do local, “Capão da Traição”.
Em 1709, foi organizada uma nova expedição, com 1.300 paulistas, comandada por Amador Bueno da Veiga. Os emboabas foram cercados no arraial da Ponte do Morro. Antonio de Albuquerque Coelho, governador do Rio de Janeiro, fez a intervenção no caso, impedindo novos derramamentos de sangue. Para Portugal, era fundamental a pacificação da região, o que significaria, como de fato ocorreu, a retomada da produção aurífera.
Como consequências da Guerra dos Emboabas, a capitania de São Paulo e Minas separou-se da capitania do Rio de Janeiro e, em 1711, São Paulo foi elevada da categoria de vila à categoria de cidade. Embora a região em litígio tivesse sido devolvida aos paulistas, estes preferiram deslocar-se mais para Oeste, chegando a Goiás e Mato Grosso.

Revolta de Felipe dos Santos, em Minas Gerais, 1720

Com a pacificação da guerra dos emboabas, a mineração começou a prosperar. A política de Portugal voltou-se para a fiscalização mais rígida, instalando Casas de Fundição em Vila Rica, Sabará, São João d’El Rei e Vila do Príncipe. Assim, ficava proibida a circulação de ouro em pó, pois todo ouro deveria ser transformado em barras. Ali seria cobrado o quinto e as barras seriam timbradas para se tornarem legais.
Na época do governo local do Conde de Assumar, os mineradores e comerciantes de Vila Rica se revoltaram, pretendendo a redução dos impostos, a abolição do monopólio do gado, do fumo, do aguardente e do sal. Eram contra a instalação das Casas de Fundição e contra a obrigatoriedade de pagar impostos baseados no imposto sobre o ouro.
Dois mil revoltosos, sob a liderança de José Peixoto da Silva, dirigiram-se ao palácio de Assumar, no Ribeirão do Carmo. Ardilosamente, Assumar aceitou todas as reivindicações dos rebeldes, para espanto de seus líderes e regozijo das massas, que, não desconfiando dos planos do governador, romperam em aclamações festivas.
Posteriormente, o Conde de Assumar enviou seus soldados contra os insurgentes. A repressão foi violenta, as casas dos rebeldes incendiadas, seus líderes presos, inclusive Felipe dos Santos, o mais popular entre eles. Foi enforcado, seu corpo arrastado pelas ruas de Vila Rica e esquartejado, como “castigo exemplar”.
A Revolta de Vila Rica, como também é conhecido o movimento, conseguiu adiar por cinco anos a instalação da Casa de Fundição. Além disso, a capitania de Minas Gerais separou-se da capitania de São Paulo. Apesar da violência contra os revoltosos, os ideais não foram esquecidos e servirão de base para a Inconfidência Mineira de 1789.


Um comentário:

  1. olá professor.
    sou seu ex-aluno.
    não tem a ver com o tema acima, mas vale a leitura (apesar de ser Veja...): http://veja.abril.com.br/091298/p_044.html
    grande abraço!

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