Introdução
No século XVIII, o Antigo Regime e, dentro dele, o Sistema
Colonial Mercantilista, passaram a ser abalados pelas novas forças de transformação
que varreram o mundo atlântico, na Europa e nas colônias da Europa, no centro
do sistema e na periferia. Estruturalmente, o capitalismo comercial transitava
para o capitalismo industrial e a principal fonte de acumulação de capital
passava da circulação (comércio) para a transformação (indústria).
A Inglaterra saiu na frente, consolidando sua burguesia
industrial que questionava a continuidade de mercados enclausurados pelo regime
de monopólios comerciais. A produção fabril, em larga escala, precisava de
mercados abertos e amplos, o que era impossível com a manutenção do pacto
colonial.
Nos quadros da crítica ao Antigo Regime, o Iluminismo condenava
ideologicamente o passado. Fundado na
razão burguesa, apoiado no cientificismo do século XVII, os pensadores
iluministas propunham o liberalismo, sintetizado política e socialmente por “Liberdade,
Igualdade, Fraternidade”, e pelo laissez-faire, a liberdade
econômica. Ao peso da Revolução Industrial inglesa somou-se o peso da Revolução
Francesa de 1789. O Antigo Regime desmoronou. Uma nova realidade pulsava na
Europa e chegava irreversivelmente às suas colônias. O Atlântico não conseguiu
barrar as novas ideologias que passaram a alimentar os movimentos rebeldes
contra a própria dominação europeia.
Na América colonial, as treze colônias inglesas
levantaram-se contra a Inglaterra e conseguiram romper os laços que as prendiam
ao sistema dominador. A vitória dos colonos norte-americanos animou não só
súditos de outras metrópoles, mas a própria burguesia francesa a se levantar
contra o poder instituído.
No caso do Brasil colonial, pela ausência de uma burguesia,
a liderança dos movimentos rebeldes era exercida, frequentemente - não
exclusivamente - pela elite agrária, dona de terras e de escravos. Os ideais
iluministas aqui chegados foram adaptados aos interesses dessa elite. A sonhada
emancipação política, rompendo com a metrópole, não podia implicar a mudança
das relações internas de dominação.
Um exemplo disso foi
a Inconfidência Mineira, durante a qual, em suas reuniões secretas, muitos inconfidentes
eram contra a abolição da escravatura, por serem eles da elite. Diferente
disso, a Conjuração Baiana, ou “dos Alfaiates”, tinha um caráter mais popular. A
Inconfidência Mineira não foi diretamente influenciada pela Revolução Francesa,
pois aquela ocorreu em abril e esta em julho de 1789. Contudo, o cenário era o
mesmo, o da crítica ao Antigo Regime.
Já a Conjuração do
Rio de Janeiro, de 1794, a
Conjuração Baiana, de 1798,
a Conspiração dos Suassunas em Pernambuco, de 1801e a
Revolução Pernambucana, de 1817, foram decisivamente influenciadas pela
Revolução Francesa, de 1789.
Inconfidência Mineira, 1789
(Para melhor entender as revoltas em Minas Gerais , leia
antes, neste blog, MINERAÇÃO NO BRASIL COLONIAL, clicando em PESQUISAR NESTE
BLOG. )
Enquanto ocorria a decadência da mineração, pelo esgotamento
das jazidas, Portugal criava novos impostos, tornando mais rígido o controle
fiscal. Para os colonos, tratava-se de um abuso do fiscalismo metropolitano.
Além disso, e cada vez mais, os colonos entraram em contato com as novas idéias
vindas da Europa, pregando liberdade, fraternidade, igualdade, liberalismo
econômico, democracia, república.
Os participantes da revolta eram, na maioria, letrados: José
Joaquim Maia, estudante brasileiro na Europa que tentou apoio dos Estados
Unidos ao entrevistar-se com Thomas Jefferson, em Paris; os poetas Cláudio
Manuel da Costa, Inácio de Alvarenga Peixoto e Thomas Antônio Gonzaga; os
doutores José Álvares Maciel, Domingos Vidal Barbosa e Salvador Amaral Gurgel;
os padres Manuel Rodrigues da Costa, José Oliveira Rolim e Carlos de Toledo
Piza e os militares Francisco de Paula Freire de Andrade e Joaquim José da
Silva Xavier, o Tiradentes.
Os planos dos inconfidentes revelam que estavam mais
preocupados com o que fazer após a revolta e pouca preocupação em como
fazer a revolta. Ou seja, poucos planos militares e muitos planos a serem
realizados se a revolta sair vitoriosa. Entre tais planos, destacam-se:
adoção de uma República para Minas Gerais (ou para todo o Brasil);
transferência da capital para São João d’El Rei; construção de uma universidade
em Vila Rica ;
industrialização; adoção de uma bandeira onde estaria estampado o dístico Libertas
Quae Sera Tamem (Liberdade, ainda que tardia).
Nem todos os inconfidentes
concordaram com todos os planos, principalmente a respeito da abolição da
escravatura. Os conjurados divergiam entre si e apresentaram grande idealismo e
pouco preparo militar. O pretexto para o início da revolta seria a cobrança da derrama.
Naquele momento, a dívida acumulada chegava a 596 arrobas de ouro, ou seja,
quase 9 toneladas do precioso metal.
Na prática, o movimento não chegou a acontecer, pois foi
delatado por Joaquim Silvério dos Reis, coronel português endividado, e pelos
tenentes-coronéis Brito Malheiros e Correia Pamplona. A devassa foi posta em
prática pelo Visconde de Barbacena, em nome da rainha de Portugal, D. Maria I.
O único condenado à morte, por enforcamento, foi Tiradentes,
alferes do exército.
Sentença contra Tiradentes: “Portanto condenam o réu
Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do
Regimento pago da Capitania de Minas, a que (..) seja conduzido pelas ruas
públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que
depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar
mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e
o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes (...) onde o
réu teve as suas infames práticas (...) até que o tempo também os consuma,
declaram o réu infame, e seus filhos e netos (...) e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada
e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será
avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um
padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]”
Nota: a imagem de Tiradentes foi resgatada e recriada após a
proclamação da República, em 1889. Os republicanos buscaram um ícone que não fosse
monarquista. Em muitas obras pictóricas, os autores lembraram a imagem de Jesus
Cristo no retratado.
Conjuração Baiana ou dos Alfaiates, 1798
O Nordeste já foi, na época do açúcar, o pólo econômico do
Brasil. Salvador, na Bahia, era a capital. A capital política, que só devia
obediência à metrópole, localizava-se, portanto, na região mais rica da
colônia.
A crise da economia açucareira, (provocada pela produção nas
Antilhas), o deslocamento do eixo econômico e demográfico para o Centro-Sul (graças
à mineração), tornou-se mais aguda quando, em 1763, a capital do Brasil
foi transportada para o Rio de Janeiro, dentro das reformas executadas por
Pombal.
A decadência da Bahia, especialmente de Salvador, desembocou
na pobreza e na miséria. Enquanto isso, aumentava o fiscalismo e a opressão
metropolitanas. Contra tal situação, dois pequenos movimentos rebeldes
ocorreram e foram rápida e violentamente abafados. Mas suas causas continuaram
e explicam parcialmente a Conjuração dos Alfaiates.
O movimento foi conduzido pelos maçons da loja Cavaleiros
da Luz, impregnados pelos ideais iluministas vindos da Europa. Adquiriu um
caráter popular e social. Entre seus participantes destacaram-se os alfaiates
João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira, os soldados e mulatos Lucas
Dantas e Luís Gonzaga das Virgens, o
médico Dr. Cipriano Barata, o tenente Hermógenes Francisco D’Aguiar, o maçon
Francisco Barreto e o padre Agostinho Gomes.
A Revolução Francesa serviu de modelo para as suas
realizações. Pregaram a República, a liberdade, a igualdade, a liberdade de
comércio externo, a melhoria dos soldos dos militares, a abolição dos escravos
e, com ela, a abolição dos preconceitos de cor.
Um dos cartazes produzidos e divulgados pelos rebeldes assim
dizia: “Animai-vos, povo baiense, que está para chegar o tempo feliz de
nossa liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos
seremos iguais”.
Após denúncia, os conjurados foram presos. No processo, os
intelectuais foram absolvidos ou degredados. Cinco líderes populares, todos
negros, foram condenados à forca. Um dos
condenados havia fugido e jamais foi encontrado. Os corpos dos quatro
executados foram esquartejados e suas partes espalhadas por lugares de maior
trânsito de pessoas.
O Movimento Negro considera heróis os quatro executados.
Para alguns pesquisadores, como Afonso Ruy, em seu livro A Primeira
Revolução Social do Brasil, a Conjuração foi mesmo, a primeira de caráter
amplamente social. Se comparada à Inconfidência Mineira, não há a menor dúvida.
Conspiração dos Suassunas e Revolução Pernambucana de
1817, ver neste blog, clicando PERNAMBUCO REBELDE, em Pesquisar.
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