domingo, 25 de setembro de 2011

CHILE, 11 DE SETEMBRO DE1973











Em 11 de setembro de 1973, foi encerrada a experiência do único governo socialista eleito democraticamente na América Latina. Caiu Salvador Allende, Presidente do Chile, num golpe de Estado que desembocou na ditadura militar liderada por Augusto Pinochet.

No livro História das Sociedades Americanas, de Rubin Aquino e outros, encontramos: “Pode-se dizer que o Dia da Traição – como ficou conhecido o 11 de setembro – amanhecera muito antes: nasceu nas mansões da burguesia, dispostas a destruir a institucionalidade democrática, para não perder seus privilégios; nasceu nos escritórios das grandes empresas norte-americanas e da CIA (...); nasceu nos quartéis e nos cassinos oficiais (...); nasceu nas redações dos jornais de direita (...); nasceu nos corredores do Congresso (...); nasceu nas reuniões secretas da Opus Dei, da Pátria e Liberdade, e de outras organizações de caráter fascista.”

Clóvis Rossi, em seu livro A Contrarrevolução na América Latina, diz: “O governo norte-americano da época, chefiado por Richard Nixon, participou ativamente dessa conspiração (...). O governo [do Chile] foi vítima de uma grande desestabilização muito bem conduzida, inclusive com o apoio de oito milhões de dólares enviados pelos Estados Unidos (...).”

CONTEXTO INTERNACIONAL: GUERRA FRIA
Até o final na Segunda Guerra Mundial, a União Soviética era o único país socialista. A partir daí, o socialismo avançou muito, chegando, por exemplo, à Polônia, Estônia, Lituânia, Letônia, Iugoslávia, Checoslováquia, Hungria, Romênia, Bulgária, China, Vietnã do Norte, Coréia do Norte.
Contra essa expansão socialista, os Estados Unidos lançaram a Doutrina Truman, em 1947, e passaram a combater de todas as formas as lutas progressistas e antiimperialistas em todos os continentes. No caso da América Latina, “(...) o imperialismo dos EUA esforçava-se para deter com quaisquer meios a ascensão do movimento democrático antiimperialista no continente e com esse objetivo tomou uma série de medidas militares e políticas. Assim, em 1947, no Rio de Janeiro, foi assinado o Pacto de Defesa do Hemisfério (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca – TIAR); preparava-se a reorganização da União Pan-Americana; em 1948 foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA), destinada a ser durante muitos anos um dos meios políticos da ingerência dos EUA nos assuntos internos dos Estados latino-americanos. Os EUA organizaram, com esse objetivo, golpes reacionários em uma série de países da América Latina: Bolívia (1946), Venezuela (1948), Equador (1946), Nicarágua (1947), Costa Rica (1948), El Salvador (1948), Peru (1948), Colômbia (1949) e Cuba (1952). Sob a pressão dos EUA, começou a ser proibida a atividade dos Partidos Comunistas e organizações sindicais progressistas.” (KUDATCHKINE, M. Chile: Experiências de Luta Pela Unidade das Forças de Esquerda e Por Transformações Revolucionárias)

OS ANOS DE 1940 E 1950 NO CHILE
Em 1948, o governo conservador do Chile publicou a “Lei da Defesa da Democracia”, que passou a ser conhecida popularmente como a “Lei Maldita”, contra o crescimento do movimento operário. Milhares de chilenos foram violentamente perseguidos, mortos ou presos em verdadeiros campos de concentração. Pablo Neruda demonstrou a indignação do povo: “Eu acuso o presidente Gonzáles Videla de empenhar-se em uma guerra inútil e estéril contra o povo e o pensamento popular do Chile, e de querer dividir artificialmente os chilenos.”
Em 1953, reagindo ao refluxo forçado do movimento sindical, nasceu a CUT (Central Única de Trabalhadores do Chile). Várias forças democráticas e populares se juntaram: católicos, comunistas, socialistas, radicais e independentes. A “Declaração de Princípios do II Congresso da CUT” dizia: “Os trabalhadores do Chile, independentemente de ideologias, credos religiosos, sexo e nacionalidade, consideram a Central Única de Trabalhadores o mais eficiente instrumento na luta pelos direitos sociais e pela unidade monolítica. A Central Única de Trabalhadores é um importante meio de luta contra a grande burguesia, a oligarquia antinacional e o imperialismo, contra as repressões e a miséria.”
Em 1956, as forças populares evoluíram com a formação da FRAP – Frente de Ação Popular, da qual faziam parte trabalhadores, setores das classes médias intelectuais e estudantes. O imperialismo norte-americano e a crise econômica serviram de argamassa dessa união que provocou um avanço qualitativo no processo de organização popular e democrático.
Em 1958, Jorge Alessandri venceu as eleições contra o candidato socialista Salvador Allende. Era a reação das oligarquias e do imperialismo ao crescimento do movimento popular. As forças reacionárias e conservadoras aglutinavam-se no PDC – Partido Democrático Cristão.

ECOS DA REVOLUÇÃO CUBANA
Em janeiro de 1959, a Revolução Cubana, partindo de Sierra Maestra, chegava em Havana, enquanto o ditador Fulgêncio Batista abandonava Cuba. Os guerrilheiros, força avançada das massas populares, chegaram ao poder.
No início dos anos 60, o povo e o governo revolucionário derrotaram, na Baía dos Porcos, as forças invasoras reacionárias patrocinadas pela CIA e pelo governo norte-americano. Derrotadas nas armas, as forças da reação expulsaram Cuba da OEA e iniciaram o bloqueio econômico após a chamada “Crise dos Mísseis”.
Para muitos analistas, os EUA entregaram Cuba em uma bandeja para a URSS: isolada pelo bloco capitalista da Guerra Fria, Cuba declara o caráter socialista de sua revolução.
No cenário da bipolarização mundial, o socialismo chegava à América Latina, vitorioso e a poucas milhas do líder do bloco capitalista. E servia de espelho, de fonte de inspiração, para progressistas não só do Chile, mas de toda a América Latina e do mundo dominado pelo imperialismo.
Contudo, os ecos de Sierra Maestra também despertaram uma atitude contrarrevolucionária do imperialismo. Nos Estados Unidos, nascia a Aliança Para o Progresso, uma tentativa de impedir que outras Cubas surgissem, ou, no dizer da época, impedir que “novas ilhas de insanidade” despontassem.

OS ANOS DE 1960 NO CHILE
No Chile, a crise típica de uma economia satelitizada tornava-se aguda: inflação, desemprego, redução da produção agrícola, dívida externa, domínio externo da produção de cobre, do salitre, do ferro, da eletricidade, do petróleo, da indústria química. No campo, 0,7% dos proprietários possuíam 61,6% das terras cultiváveis. Tal quadro era o terreno fértil para crescerem as críticas nacionalistas, progressistas e socialistas.
O pulsar silencioso da revolução levou as classes conservadoras a adotarem o discurso da mudança. Ou seja, como em muitas oportunidades, o conservadorismo adotou o discurso da “revolução” para realizar reformas que nada mudavam a essência estrutural. O PDC lançou o programa conhecido por “Revolução em Liberdade”, que tinha de tudo, menos revolução. Apoiado na alta burguesia, no imperialismo ianque, em vários setores da classe média e na Igreja Católica, o PDC venceu as eleições de 1964, levando Eduardo Frei à Presidência da República.
Rubin Aquino, em seu livro citado nos ensina: “A política desenvolvimentista do governo Frei, no entanto, resultou em uma efetiva adequação do país à penetração do capital estrangeiro, especialmente o norte-americano.” A respeito desse governo, uma revista norte-americana de negócios, a Hanson’s American Letters, assim se pronunciou: “Nenhum governo de extrema direita tratou com mais generosidade com que o fez Frei às empresas norte-americanas.”
As tensões sociais desembocaram em muitas greves, entre 1967 e 1969. A repressão foi violenta, e, como escreveu E. Gonzáles em La Tragédia Chilena, “a Revolução sem sangue que prometeu Frei se transformou ao final em sangue sem Revolução.”
Diante da violência do governo, o movimento popular entrou numa fase ofensiva, apoiado nas massas, na pequena burguesia nacional, na intelectualidade e nos estudantes. Desta forma, estruturou-se a UP – Unidade Popular, que venceu as eleições de 1970, com Salvador Allende.

O GOVERNO DA UNIDADE POPULAR
Já eleito, Salvador Allende discursou em 5 de setembro de 1970: “Foram o homem e a mulher anônimos do Chile que tornaram possível este fato socialmente transcendente. Milhares de chilenos semearam com sua dor e sua esperança esta hora que pertence ao povo. E em outras fronteiras e outros países, a vitória alcançada é vista com profunda satisfação. O Chile apresenta uma alternativa para outros povos da América e do mundo. A força vital da unidade romperá os diques das ditaduras e abrirá caminho para que os povos possam ser livres e construir o seu próprio destino. (...) se a vitória não foi fácil, difícil será a consolidação do nosso triunfo e a construção da nova sociedade, da nova convivência social, da nova moral e da nova pátria.”
O nacionalismo e o estatismo marcaram, desde o início, o governo de Allende. Nacionalizou a mineração e o beneficiamento do cobre, então responsável por 80% da renda em moedas estrangeiras. Estatizou quase todo sistema bancário, as indústrias têxteis, siderúrgicas, as comunicações. A reforma agrária revolucionou o campo, estabelecendo em 80 hectares o limite máximo da propriedade das terras agricultáveis.
Ainda no primeiro ano do governo da Unidade Popular, o desemprego caiu para menos da metade, cresceu a produção de alimentos e de outros produtos, aumentou o poder aquisitivo dos trabalhadores e o analfabetismo foi reduzido.
Tais resultados favoreceram a vitória das forças democráticas e progressistas nas eleições municipais e na reforma constitucional de 1971, que estatizou todas as riquezas do subsolo chileno.
Todavia, diante do avanço das forças populares, articularam-se as forças de reação, com as oligarquias rurais, as elites financeiras e industriais, todas ligadas, em maior ou menor grau, ao imperialismo norte-americano. O governo Nixon, a CIA (Central de Inteligência Americana) e muitas empresas norte-americanas envolveram-se diretamente nos planos de desestabilização do governo popular de Allende, aliás, desde antes de sua posse. “O grau de decisão visando a provocar a queda do governo arrastou a classe dominante chilena até medidas de extrema criminalidade: trezentas mil cabeças de gado foram contrabandeadas para a Argentina; promoveu-se a matança indiscriminada de reses destinadas à reprodução; milhares de hectares de terra ficaram sem semear (...) dez milhões de litros de leite foram atirados aos rios e nas estradas (...) A dimensão do ódio era tamanha que se preferia o dilúvio a Allende.”(ALTAMIRANDO, C. Dialética de Uma Derrota). Segundo um jornalista norte-americano, em depoimento posteriormente confirmado por um diretor da CIA, “Lançar o Chile em um verdadeiro caos econômico era a palavra de ordem da burguesia e do imperialismo.” (Citado por Rubin Aquino, em seu livro História das Sociedades Americanas).
A proposta da UP de chegar ao socialismo sem luta armada foi interrompida pela organização de grupos fascistas violentos, armados e financiados pelos dólares norte-americanos. Enquanto isso, mais uma vez, as urnas deram a vitória às forças populares em novembro de 1972, reforçando suas posições no Congresso.
Porém, a partir de 1973, as Forças Armadas passaram a deixar claro seu papel golpista, a fim de derrubarem o governo pelas armas, já que não conseguiam pelo voto. Vários atentados terroristas e de sabotagem se somaram ao bloqueio econômico norte-americano e às paralisações do sistema de transportes.
A crise se aprofunda com a divisão interna das forças da UP. A esquerda radical pretendia a tomada do poder político através das armas para acelerar o processo de chegada ao socialismo. Mas o governo Allende não aceitava a hipótese de ruptura institucional: “Companheiros trabalhadores: temos que nos organizar. Criar e criar o Poder Popular, porém não antagônico nem independente do governo, que é a força fundamental e a alavanca que têm os trabalhadores para avançar no processo revolucionário.” (Salvador Allende, informe ao povo sobre um frustrado golpe de militares em junho de 1973, em Chile: História de una Ilusión). Ainda sobre a divisão interna das forças da Unidade Popular, Allende fala aos dirigentes dos partidos de esquerda, em julho de 1972: “Cada partido deve se preocupar em elevar o nível ideológico de seus militantes, de sua disciplina, e impulsionar a estratégia comum da Unidade Popular, base do governo dos trabalhadores. Há apenas um só governo, este a que eu presido, e que não somente é o único legitimamente constituído, mas, por sua definição, e conteúdo de classe, um governo que serve aos legítimos interesses dos trabalhadores. E com a mais profunda consciência revolucionária, eu não permitirei que nada nem ninguém atente à plenitude do governo legítimo do país.”

Entretanto, a via pacífica, institucional, se esgotou. A fragilidade da UP se revela no fato de que, embora o Poder Executivo estivesse em suas mãos, nucleadas em Allende, o Legislativo e o Judiciário não estavam. E o movimento popular, democrático e pacífico pagou um preço alto ao acreditar na tradição de que os quartéis são apolíticos e fiéis ao seu papel institucional de defesa da Constituição e da legalidade: “enquanto a classe operária ganhava votos, o sistema ganhava fuzis”, nos dizeres de Altamirando, em obra citada.

11 DE SETEMBRO DE 1973: CONSUMADA A TRAGÉDIA
Na madrugada de 11 de setembro de 1973, partindo de Valparaíso, uma ação conjunta das três forças armadas iniciou o cerco a Santiago, especialmente ao Palácio de La Moneda. O Presidente Allende defendeu seu governo, desta vez, e pela primeira vez, de armas na mão. Morreu durante o combate. Em sua última mensagem ao povo, declarou: “Os generais traidores não sabem o que é um homem honrado. Assim se escreve a primeira página desta história. Meu povo e a América escreverão o resto!”

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