Na segunda-feira, 5 de setembro de 2011, assisti ao jogo de futebol entre Gana e Brasil, pela Rede Globo, narrado por Galvão Bueno e comentado por Casagrande e Arnaldo César Coelho. Sim, leitores, usei meu ócio para colocar minha bunda no sofá e assistir a um jogo da seleção.
Durante a partida, ouvi diálogos do tipo:
- Será que foi impedimento?
- Vamos ver, vamos ver ...
- É, foi ... um pouquinho ... talvez um joelho!
E, com alta tecnologia, o lance foi repetido, virado de lado, revirado, parado, retomado. Sim, senhores, era muito importante saber se “um pouco” impedido é impedimento. Nossa vida mudou muito depois disso e até a fome dos somalis acabou.
Mas, como ócio é ócio e sou uma pessoa normal, continuei diante da TV. Um atleta de Gana conversou com o árbitro. E nosso todo poderoso Galvão Bueno comenta: “Sei lá, ele deve, de alguma forma, falar inglês para poder conversar com o árbitro!!!”
Minha bunda (que linda palavra africana!) levantou-se, indignada, e respondeu ao Galvão: “Oh, Galvão Bueno, como pode um ganês falar inglês?”
UMA BREVE HISTÓRIA DE GANA
O REINO DE GANA, na África Sul Saariana, foi poderoso centro criador de camelos, comercializados com povos bérberes do Norte. Comercializava ainda ouro, sal, tecidos cavalos e tâmaras. Entre os séculos X e XII atingiu seu apogeu, ocupando uma vasta área onde hoje situam-se, além de Gana, Mali e Mauritânia
No século XIII, acabou sendo dominado pelo Reino de Mali e dele fez parte. O Reino de Mali marcou-se pela construção de ricas mesquitas e grandes centros de estudos, como o de Tombuctu, atraindo cientistas, poetas, literatos, religiosos. É dessa época a realização de suntuosas peregrinações a Meca, como a de 1325.
Mas o Reino de Mali, que incluía o de Gana, foi dominado pelo reino de Songhai no final do século XIV.
DOMÍNIO PORTUGUÊS
No século XV, em sua expansão marítima e comercial, Portugal realizou o périplo africano, ou seja, contornou o continente africano, para chegar à Índia. Na África Ocidental, atlântica, fundou, em 1482, o Castelo de São Jorge da Mina, que se tornou uma das mais importantes feitorias lusas no comércio mercantilista. A partir dela, os portugueses dominaram vasta região, incluindo Acra, hoje capital de Gana. Dali saíram milhares de escravos em direção ao Brasil e a outras partes da América Colonial. África e América eram as molduras do quadro Atlântico onde se pintou a acumulação de capital através do tráfico humano.
DOMÍNIO HOLANDÊS
Em 1642, dois anos após a Restauração Portuguesa contra a Espanha, os holandeses ainda estavam ocupando áreas do Nordeste brasileiro. Entre os acordos luso-flamengos, um estipulava a entrega de São Jorge da Mina aos holandeses, líderes então da intermediação de mercadorias no capitalismo comercial.
DOMÍNIO INGLÊS
No início do século XIX, nasciam o neocolonialismo e o imperialismo, frutos do capitalismo industrial. E Gana caiu sob domínio britânico. A Grã Bretanha apossou-se da região, derrotando militarmente seus concorrentes europeus e massacrando a resistência negra local. Com os canhões ingleses vieram sua língua, sua moral calvinista, seus pregadores e, é claro, seus comerciantes. A grande burguesia britânica assumia sua missão civilizadora, o fardo do homem branco.
INDEPENDÊNCIA POLÍTICA
Gana foi, portanto, território do imperialismo inglês, do início do século XIX até 1957. Naquele ano, Gana tornou-se independente politicamente, na avassaladora onda libertária afro-asiática da descolonização, durante a Guerra Fria. Adotou para si a máxima “É melhor ser independente para governar sozinho, bem ou mal, do que ser governado por outros!”
Até hoje usa o lema Freedon and Justice (Liberdade e Justiça) e seu hino nacional chama-se God Bless Our Homeland Ghana (Deus Abençoe Nossa Pátria Gana).
TABOM
Voltando a falar de futebol, ganha-pão de tantas pessoas, em 27 de junho de 2006, o coração do chefe tribal ganês, Nii Azumah V, ficou dividido entre Gana e Brasil, como deve ter ficado na segunda-feira, 5 de setembro de 2011. Naquela data, Brasil e Gana disputavam entre si a passagem para as quartas de final da Copa do Mundo de futebol. Mas seu coração não era o único dividido entre torcer pela sua seleção ou pela seleção de suas origens históricas, o Brasil.
Mais de 2.000 ganeses são descendentes diretos de 70 escravos brasileiros que, tendo adquirido a alforria no Brasil, voltaram para Gana, para suas tribos seculares. Ao lá chegarem, em 1836, falavam apenas a língua portuguesa. Quando lhes perguntavam algo sobre a situação da viagem ou da saúde, mesmo não entendendo seus interlocutores, respondiam: “Tá Bom!”
Estava nascendo, assim, a comunidade brasileira Tabom, em Gana. Quase dois séculos depois, cultuam suas origens brasileiras. A maioria mora no bairro portuário de Jamestown, em Acra, capital de Gana. Ali, na Alameda Brazil, está o Brazil House, local de encontro dos tabons com sua história brasileira.
Durante a partida, ouvi diálogos do tipo:
- Será que foi impedimento?
- Vamos ver, vamos ver ...
- É, foi ... um pouquinho ... talvez um joelho!
E, com alta tecnologia, o lance foi repetido, virado de lado, revirado, parado, retomado. Sim, senhores, era muito importante saber se “um pouco” impedido é impedimento. Nossa vida mudou muito depois disso e até a fome dos somalis acabou.
Mas, como ócio é ócio e sou uma pessoa normal, continuei diante da TV. Um atleta de Gana conversou com o árbitro. E nosso todo poderoso Galvão Bueno comenta: “Sei lá, ele deve, de alguma forma, falar inglês para poder conversar com o árbitro!!!”
Minha bunda (que linda palavra africana!) levantou-se, indignada, e respondeu ao Galvão: “Oh, Galvão Bueno, como pode um ganês falar inglês?”
UMA BREVE HISTÓRIA DE GANA
O REINO DE GANA, na África Sul Saariana, foi poderoso centro criador de camelos, comercializados com povos bérberes do Norte. Comercializava ainda ouro, sal, tecidos cavalos e tâmaras. Entre os séculos X e XII atingiu seu apogeu, ocupando uma vasta área onde hoje situam-se, além de Gana, Mali e Mauritânia
No século XIII, acabou sendo dominado pelo Reino de Mali e dele fez parte. O Reino de Mali marcou-se pela construção de ricas mesquitas e grandes centros de estudos, como o de Tombuctu, atraindo cientistas, poetas, literatos, religiosos. É dessa época a realização de suntuosas peregrinações a Meca, como a de 1325.
Mas o Reino de Mali, que incluía o de Gana, foi dominado pelo reino de Songhai no final do século XIV.
DOMÍNIO PORTUGUÊS
No século XV, em sua expansão marítima e comercial, Portugal realizou o périplo africano, ou seja, contornou o continente africano, para chegar à Índia. Na África Ocidental, atlântica, fundou, em 1482, o Castelo de São Jorge da Mina, que se tornou uma das mais importantes feitorias lusas no comércio mercantilista. A partir dela, os portugueses dominaram vasta região, incluindo Acra, hoje capital de Gana. Dali saíram milhares de escravos em direção ao Brasil e a outras partes da América Colonial. África e América eram as molduras do quadro Atlântico onde se pintou a acumulação de capital através do tráfico humano.
DOMÍNIO HOLANDÊS
Em 1642, dois anos após a Restauração Portuguesa contra a Espanha, os holandeses ainda estavam ocupando áreas do Nordeste brasileiro. Entre os acordos luso-flamengos, um estipulava a entrega de São Jorge da Mina aos holandeses, líderes então da intermediação de mercadorias no capitalismo comercial.
DOMÍNIO INGLÊS
No início do século XIX, nasciam o neocolonialismo e o imperialismo, frutos do capitalismo industrial. E Gana caiu sob domínio britânico. A Grã Bretanha apossou-se da região, derrotando militarmente seus concorrentes europeus e massacrando a resistência negra local. Com os canhões ingleses vieram sua língua, sua moral calvinista, seus pregadores e, é claro, seus comerciantes. A grande burguesia britânica assumia sua missão civilizadora, o fardo do homem branco.
INDEPENDÊNCIA POLÍTICA
Gana foi, portanto, território do imperialismo inglês, do início do século XIX até 1957. Naquele ano, Gana tornou-se independente politicamente, na avassaladora onda libertária afro-asiática da descolonização, durante a Guerra Fria. Adotou para si a máxima “É melhor ser independente para governar sozinho, bem ou mal, do que ser governado por outros!”
Até hoje usa o lema Freedon and Justice (Liberdade e Justiça) e seu hino nacional chama-se God Bless Our Homeland Ghana (Deus Abençoe Nossa Pátria Gana).
TABOM
Voltando a falar de futebol, ganha-pão de tantas pessoas, em 27 de junho de 2006, o coração do chefe tribal ganês, Nii Azumah V, ficou dividido entre Gana e Brasil, como deve ter ficado na segunda-feira, 5 de setembro de 2011. Naquela data, Brasil e Gana disputavam entre si a passagem para as quartas de final da Copa do Mundo de futebol. Mas seu coração não era o único dividido entre torcer pela sua seleção ou pela seleção de suas origens históricas, o Brasil.
Mais de 2.000 ganeses são descendentes diretos de 70 escravos brasileiros que, tendo adquirido a alforria no Brasil, voltaram para Gana, para suas tribos seculares. Ao lá chegarem, em 1836, falavam apenas a língua portuguesa. Quando lhes perguntavam algo sobre a situação da viagem ou da saúde, mesmo não entendendo seus interlocutores, respondiam: “Tá Bom!”
Estava nascendo, assim, a comunidade brasileira Tabom, em Gana. Quase dois séculos depois, cultuam suas origens brasileiras. A maioria mora no bairro portuário de Jamestown, em Acra, capital de Gana. Ali, na Alameda Brazil, está o Brazil House, local de encontro dos tabons com sua história brasileira.
Em abril de 2005, pela primeira vez na História, um presidente do Brasil foi a Gana. Lula percorreu alguns países africanos, num esforço para estreitar as relações econômicas e diplomáticas. Naquele encontro em Gana, Lula recebeu e vestiu uma manta entregue apenas aos que passam a ser considerados reis pela comunidade Tabom.
Queridos leitores, nunca mais digam que eu não escrevo sobre futebol. Se gostaram de meu texto, ou se não gostaram, agradeçam ao Galvão Bueno, um dos gênios da Rede Globo.
Queridos leitores, nunca mais digam que eu não escrevo sobre futebol. Se gostaram de meu texto, ou se não gostaram, agradeçam ao Galvão Bueno, um dos gênios da Rede Globo.
"Gênios da Rede Globo", haha. Não sei porque, mas acho que essa frase cabe bem melhor no seu post de Imperialismo.
ResponderExcluirQuerido Pedoneze, segundo o nosso ex Presidente FHC e ex sociólogo Fernando Henrique Cardoso, hoje em dia "não há mais imperialismo". Ainda bem que ele mesmo recomendou: "esqueçam o que escrevi!"
ResponderExcluirNo mínimo lamentável ter como "Gênios" esses três patetas...
ResponderExcluirObrigada por nos esclarecer ainda mais, professor.