quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

ONDE O BRASIL APRENDEU A LIBERDADE


Acabei de postar um texto resumindo as Revoltas Nativistas no Brasil. Já tinha publicado outro, sobre Pernambuco Rebelde. Nos dois, a luta contra os holandeses foi tratada como fundamental para a formação do sentimento nativista. Leiam como a arte trata do mesmo assunto. Abaixo, o link com a música, nas vozes de Martinho da Vila e Beth Carvalho.

Composição : Martinho da Vila
Aprendeu-se a liberdade
Combatendo em Guararapes
Entre flechas e tacapes
Facas, fuzis e canhões
Brasileiros irmanados
Sem senhores, sem senzala
E a Senhora dos Prazeres
Transformando pedra em bala
Bom Nassau já foi embora
Fez-se a revolução
E a festa da Pitomba é a reconstituição
Jangadas ao mar
Pra buscar lagosta
Pra levar pra festa
Em Jaboatão
Vamos preparar
Lindos mamulengos
Pra comemorar a libertação
E lá vem maracatu, bumba-meu-boi, vaquejada
Cantorias e fandangos
Maculelê, marujada
Cirandeiro, cirandeiro
Sua hora é chegada
Vem cantar esta ciranda
Pois a roda está formada
Cirandeiro
Cirandeiro, Ó
A pedra do seu anel
Brilha mais do que o sol

TENTATIVAS DE EMANCIPAÇÃO


Introdução

No século XVIII, o Antigo Regime e, dentro dele, o Sistema Colonial Mercantilista, passaram a ser abalados pelas novas forças de transformação que varreram o mundo atlântico, na Europa e nas colônias da Europa, no centro do sistema e na periferia. Estruturalmente, o capitalismo comercial transitava para o capitalismo industrial e a principal fonte de acumulação de capital passava da circulação (comércio) para a transformação (indústria).
A Inglaterra saiu na frente, consolidando sua burguesia industrial que questionava a continuidade de mercados enclausurados pelo regime de monopólios comerciais. A produção fabril, em larga escala, precisava de mercados abertos e amplos, o que era impossível com a manutenção do pacto colonial.
Nos quadros da crítica ao Antigo Regime, o Iluminismo condenava ideologicamente o  passado. Fundado na razão burguesa, apoiado no cientificismo do século XVII, os pensadores iluministas propunham o liberalismo, sintetizado política e socialmente por “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”, e pelo laissez-faire, a liberdade econômica. Ao peso da Revolução Industrial inglesa somou-se o peso da Revolução Francesa de 1789. O Antigo Regime desmoronou. Uma nova realidade pulsava na Europa e chegava irreversivelmente às suas colônias. O Atlântico não conseguiu barrar as novas ideologias que passaram a alimentar os movimentos rebeldes contra a própria dominação europeia.
Na América colonial, as treze colônias inglesas levantaram-se contra a Inglaterra e conseguiram romper os laços que as prendiam ao sistema dominador. A vitória dos colonos norte-americanos animou não só súditos de outras metrópoles, mas a própria burguesia francesa a se levantar contra o poder instituído.

No caso do Brasil colonial, pela ausência de uma burguesia, a liderança dos movimentos rebeldes era exercida, frequentemente - não exclusivamente - pela elite agrária, dona de terras e de escravos. Os ideais iluministas aqui chegados foram adaptados aos interesses dessa elite. A sonhada emancipação política, rompendo com a metrópole, não podia implicar a mudança das relações internas de dominação.
 Um exemplo disso foi a Inconfidência Mineira, durante a qual, em suas reuniões secretas, muitos inconfidentes eram contra a abolição da escravatura, por serem eles da elite. Diferente disso, a Conjuração Baiana, ou “dos Alfaiates”, tinha um caráter mais popular. A Inconfidência Mineira não foi diretamente influenciada pela Revolução Francesa, pois aquela ocorreu em abril e esta em julho de 1789. Contudo, o cenário era o mesmo, o da crítica ao Antigo Regime.
 Já a Conjuração do Rio de Janeiro, de 1794, a Conjuração Baiana, de 1798, a Conspiração dos Suassunas em Pernambuco, de 1801e a Revolução Pernambucana, de 1817, foram decisivamente influenciadas pela Revolução Francesa, de 1789.

Inconfidência Mineira, 1789

(Para melhor entender as revoltas em Minas Gerais, leia antes, neste blog, MINERAÇÃO NO BRASIL COLONIAL, clicando em PESQUISAR NESTE BLOG.)

Enquanto ocorria a decadência da mineração, pelo esgotamento das jazidas, Portugal criava novos impostos, tornando mais rígido o controle fiscal. Para os colonos, tratava-se de um abuso do fiscalismo metropolitano. Além disso, e cada vez mais, os colonos entraram em contato com as novas idéias vindas da Europa, pregando liberdade, fraternidade, igualdade, liberalismo econômico, democracia, república.
Os participantes da revolta eram, na maioria, letrados: José Joaquim Maia, estudante brasileiro na Europa que tentou apoio dos Estados Unidos ao entrevistar-se com Thomas Jefferson, em Paris; os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio de Alvarenga Peixoto e Thomas Antônio Gonzaga; os doutores José Álvares Maciel, Domingos Vidal Barbosa e Salvador Amaral Gurgel; os padres Manuel Rodrigues da Costa, José Oliveira Rolim e Carlos de Toledo Piza e os militares Francisco de Paula Freire de Andrade e Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.
Os planos dos inconfidentes revelam que estavam mais preocupados com o que fazer após a revolta e pouca preocupação em como fazer a revolta. Ou seja, poucos planos militares e muitos planos a serem realizados se a revolta sair vitoriosa. Entre tais planos, destacam-se: adoção de uma República para Minas Gerais (ou para todo o Brasil); transferência da capital para São João d’El Rei; construção de uma universidade em Vila Rica; industrialização; adoção de uma bandeira onde estaria estampado o dístico Libertas Quae Sera Tamem (Liberdade, ainda que tardia). 
Nem todos os inconfidentes concordaram com todos os planos, principalmente a respeito da abolição da escravatura. Os conjurados divergiam entre si e apresentaram grande idealismo e pouco preparo militar. O pretexto para o início da revolta seria a cobrança da derrama. Naquele momento, a dívida acumulada chegava a 596 arrobas de ouro, ou seja, quase 9 toneladas do precioso metal.
Na prática, o movimento não chegou a acontecer, pois foi delatado por Joaquim Silvério dos Reis, coronel português endividado, e pelos tenentes-coronéis Brito Malheiros e Correia Pamplona. A devassa foi posta em prática pelo Visconde de Barbacena, em nome da rainha de Portugal, D. Maria I.
O único condenado à morte, por enforcamento, foi Tiradentes, alferes do exército.

Sentença contra Tiradentes: “Portanto condenam o réu Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o Tiradentes, alferes que foi do Regimento pago da Capitania de Minas, a que (..) seja conduzido pelas ruas públicas ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre, e que depois de morto lhe seja cortada a cabeça e levada a Vila Rica, onde no lugar mais público dela, será pregada em um poste alto, até que o tempo a consuma, e o seu corpo será dividido em quatro quartos, e pregados em postes (...) onde o réu teve as suas infames práticas (...) até que o tempo também os consuma, declaram o réu infame, e seus filhos e netos (...) e a casa em que vivia em Vila Rica será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique, e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados, e mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável réu; [...]

Nota: a imagem de Tiradentes foi resgatada e recriada após a proclamação da República, em 1889. Os republicanos buscaram um ícone que não fosse monarquista. Em muitas obras pictóricas, os autores lembraram a imagem de Jesus Cristo no retratado.

Conjuração Baiana ou dos Alfaiates, 1798
 (Também conhecida como Revolução dos Búzios)

O Nordeste já foi, na época do açúcar, o pólo econômico do Brasil. Salvador, na Bahia, era a capital. A capital política, que só devia obediência à metrópole, localizava-se, portanto, na região mais rica da colônia.
A crise da economia açucareira, (provocada pela produção nas Antilhas), o deslocamento do eixo econômico e demográfico para o Centro-Sul (graças à mineração), tornou-se mais aguda quando, em 1763, a capital do Brasil foi transportada para o Rio de Janeiro, dentro das reformas executadas por Pombal.
A decadência da Bahia, especialmente de Salvador, desembocou na pobreza e na miséria. Enquanto isso, aumentava o fiscalismo e a opressão metropolitanas. Contra tal situação, dois pequenos movimentos rebeldes ocorreram e foram rápida e violentamente abafados. Mas suas causas continuaram e explicam parcialmente a Conjuração dos Alfaiates.
O movimento foi conduzido pelos maçons da loja Cavaleiros da Luz, impregnados pelos ideais iluministas vindos da Europa. Adquiriu um caráter popular e social. Entre seus participantes destacaram-se os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino dos Santos Lira, os soldados e mulatos Lucas Dantas e Luís Gonzaga das Virgens,  o médico Dr. Cipriano Barata, o tenente Hermógenes Francisco D’Aguiar, o maçon Francisco Barreto e o padre Agostinho Gomes.

A Revolução Francesa serviu de modelo para as suas realizações. Pregaram a República, a liberdade, a igualdade, a liberdade de comércio externo, a melhoria dos soldos dos militares, a abolição dos escravos e, com ela, a abolição dos preconceitos de cor.
Um dos cartazes produzidos e divulgados pelos rebeldes assim dizia: “Animai-vos, povo baiense, que está para chegar o tempo feliz de nossa liberdade: o tempo em que todos seremos irmãos, o tempo em que todos seremos iguais”.

Após denúncia, os conjurados foram presos. No processo, os intelectuais foram absolvidos ou degredados. Cinco líderes populares, todos negros,  foram condenados à forca. Um dos condenados havia fugido e jamais foi encontrado. Os corpos dos quatro executados foram esquartejados e suas partes espalhadas por lugares de maior trânsito de pessoas. 

O Movimento Negro considera heróis os quatro executados. Para alguns pesquisadores, como Afonso Ruy, em seu livro A Primeira Revolução Social do Brasil, a Conjuração foi mesmo, a primeira de caráter amplamente social. Se comparada à Inconfidência Mineira, não há a menor dúvida.




Conspiração dos Suassunas e Revolução Pernambucana de 1817, ver neste blog, clicando PERNAMBUCO REBELDE, em Pesquisar.


terça-feira, 10 de janeiro de 2012

REVOLTAS NATIVISTAS


Até a metade do século XVII, os colonos residentes no Brasil, inclusive os aqui nascidos, não faziam grande diferença entre eles próprios e os habitantes da metrópole. Ideologicamente, a única diferença entre eles e os da metrópole era de origem geográfica, tendo apenas um oceano a separá-los. É o fenômeno do transoceanismo, nos dizeres de Capistrano de Abreu: os colonos tinham os pés no Brasil e a cabeça em Portugal. Enquanto a produção açucareira, principal atividade colonial, dava lucro, a aristocracia rural e a política metropolitana estavam em harmonia. Os senhores de engenho, embora explorados pelo mercantilismo português, eram exploradores da massa escrava e detinham muitos privilégios. A maior parte do capital gerado pelo açúcar ia para a Holanda, então sócia de Portugal, que ficava com a segunda maior parte, deixando aos senhores de engenho uma parcela menor, mas capaz de garantir seu nível de elite dentro da colônia.
Nesses cento e cinquenta anos iniciais do Brasil português, as revoltas fundamentais eram as dos negros e dos índios contra a elite branca exploradora e escravocrata. Nasciam os primeiros quilombos.
A União Ibérica, iniciada em1580, e a Restauração portuguesa, de1640, começaram a mudar essa realidade das relações entre colonos e metropolitanos. A invasão holandesa, durante a União Ibérica, a luta para expulsar os invasores, o colapso da economia açucareira nordestina que se seguiu e a mudança da política mercantilista adotada pela dinastia de Bragança, que passou a ser mais centralizadora e mais opressora, alteraram a visão que os colonos tinham dos metropolitanos. Começaram e entender que a diferença entre eles e os reinóis não era apenas de ordem geográfica: os primeiros eram os explorados e os segundos os exploradores. Surgia e chamado sentimento nativista. A princípio, o nativismo era muito tímido e difuso, mas já serviu para embasar ideologicamente as primeiras revoltas, enquanto a crise econômica embasava materialmente as lutas coloniais.
Os movimentos nativistas foram isolados entre si, no tempo e no espaço. Não representaram ideais de independência, de ruptura com o sistema de exploração mercantilista luso. Não questionaram o regime de monopólio implícito no pacto colonial. Caracterizaram-se pela oposição a uma determinada pressão econômica, pressão fiscal, geradas pelo enrijecimento do pacto colonial de Portugal sobre o Brasil.

PRINCIPAIS REVOLTAS NATIVISTAS

Aclamação de Amador Bueno, em São Paulo, 1641

A notícia da Restauração do trono português, em 1640, provocou um estado de tensão na vila de São Paulo de Piratininga. Ali, durante a União Ibérica, houve forte autonomia municipal, agora ameaçada pelo receio de perseguições políticas por parte de Portugal. Os espanhóis da região também ficaram temerosos, pois, há muito, faziam contrabando com a região do Prata. Somam-se a isso os conflitos entre bandeirantes e jesuítas, que culminaram com a Botada dos Padres Fora.
                                               ( Aclamação de Amador Bueno, obra de Oscar Pereira da Silva, de 1931)

Duas famílias representavam dois grupos políticos na vila: a família Garcia Pires, portuguesa, e a família Camargo, espanhola. Com o fim da União Ibérica, os espanhóis de São Paulo tentaram manter a vila ligada à Espanha. Ao aclamarem Amador Bueno da Ribeira “Rei de São Paulo”, este se recusou e proclamou fidelidade ao novo Rei de Portugal, D. João IV.

Insurreição Pernambucana, 1645 a 1654

Embora nem todos os estudiosos admitam, a Insurreição Pernambucana é vista como importante movimento para a construção do “nativismo” no Nordeste brasileiro, surgido na conjuntura da invasão holandesa.
A resistência contra os invasores provocou grave crise na economia açucareira, com engenhos destruídos, canaviais incendiados e fuga de escravos. A acomodação de interesses entre invasores e senhores de engenho ocorreu quando, através de Maurício de Nassau, a Companhia das Índias Ocidentais, holandesa, passou a financiar a reconstrução dos engenhos e fornecer escravos vindos dos locais também invadidos pela Holanda na África. Quando a Companhia (WIC) adotou a política de confisco, cobrando os empréstimos feitos anteriormente, os senhores de engenho estavam ainda em crise financeira, agravada pela constante fuga de escravos para os quilombos, pela varíola, por incêndios, inundações e secas prolongadas. Era o fim da “acomodação de interesses” e a guerra pela expulsão dos invasores foi retomada.
A assinatura da Trégua dos Dez Anos (1641 a 1651) deixava D. João IV numa situação delicada, pois não podia oficialmente atacar as posições mantidas pelos holandeses. Mas isso não significou que não houvesse um apoio luso, extra-oficialmente. Nos anos iniciais da guerra pela expulsão, portanto, coube aos próprios colonos luso-brasileiros a liderança e a organização da luta. Os líderes da Insurreição Pernambucana foram André Vidal de Negreiros, João Fernandes Vieira, o negro Henrique Dias e o índio Felipe Camarão.
Na Batalha do Monte das Tabocas, em 1645, as forças luso-brasileiras derrotam os holandeses, retomando Alagoas e Sergipe, que se somaram ao Maranhão, já libertado. Na primeira Batalha de Guararapes (abril de 1648), os invasores foram novamente batidos, reduzindo cada vez mais o espaço por eles dominado. No ano seguinte, na segunda Batalha de Guararapes, nova derrota flamenga, desmantelando o controle militar e desestimulando comerciantes holandeses a permanecerem no Brasil.
Em 1651, dois fatos importantes colaboraram para a vitória final em favor dos luso-brasileiros. Em primeiro lugar, houve o fim da trégua assinada dez anos antes, liberando a ação militar de Portugal para defender sua colônia. Em segundo lugar, o Ato de Navegação, promulgado por Oliver Cromwell durante a Revolução Puritana, provocou a guerra entre a Inglaterra e a Holanda, impedindo que esta enviasse tropas para o Brasil.
Em 1653, reforços enviados por Portugal bloquearam Recife por mar, enquanto, por terra, os holandeses eram atacados pelas forças de Barreto de Meneses, João Fernandes Vieira e André Vidal de Negreiros. Em 23 de janeiro de 1654, o comandante holandês entregou-se na Campina da Taborda. Era o fim da invasão holandesa e, ao mesmo tempo, a semente plantada do sentimento nativista, militarmente vitorioso.

OUTRAS REVOLTAS EM PERNAMBUCO
Ver, neste blog, clicando em Pesquisar, PERNAMBUCO REBELDE

Revolta de Beckman, no Maranhão, em 1684

As atividades econômicas do Maranhão sempre foram secundárias para Portugal, que priorizava Pernambuco e capitanias vizinhas, as áreas mais ricas do Brasil açucareiro. A fragilidade financeira dos senhores de terra na Maranhão impedia, ou dificultava, a compra de escravos negros para suas lavouras. A solução, frequentemente, era o uso do indígena como escravo. A Companhia de Jesus era contra a escravização do índio, o que provocava constantes conflitos entre os jesuítas e os colonos.
Na tentativa de solucionar o problema, Portugal criou, em 1682, a Companhia de Comércio do Maranhão, que teria o monopólio do comércio de produtos maranhenses por 20 anos e a obrigação de introduzir 10.000 escravos negros, 500 por ano, além do estanco de trigo, azeite, vinho e bacalhau. Porém a Companhia não cumpriu o contratado, cobrando elevados preços pelas mercadorias trazidas e pagando baixos preços pelas mercadorias maranhenses.
Contra tal situação, levantaram-se os colonos, liderados pelos irmãos Beckman. Latifundiários e comerciantes se revoltaram, expulsando os jesuítas e saqueando os armazéns da Companhia. Derrubaram o governador e formaram uma Junta Governativa, composta por seis membros, representantes do clero, dos senhores de terra e do povo. Os rebeldes tentaram apoio do Pará, mas não conseguiram. Tentaram justificar seus motivos ao rei de Portugal, mas seus emissários foram presos.
No ano seguinte, um novo governador, Gomes Freire de Andrade foi enviado ao Maranhão, reprimindo a liderança rebelde, enforcando Manuel Beckman e Jorge Sampaio. Por outro lado, a Companhia de Comércio foi suspensa por dez anos e os colonos poderiam escravizar índios aprisionados em “guerra justa”.

Guerra dos Emboabas, em Minas Gerais, 1708 a 1709

Os paulistas pretendiam a posse exclusiva das minas de ouro das “Gerais”, por eles descobertas. A ausência de órgãos metropolitanos agindo na região tornava difícil o cumprimento da legislação. Os “emboabas”, como eram conhecidos os forasteiros, principalmente os portugueses, receberam, em 1700, autorização para ali permanecerem. Ligavam-se não só à mineração, mas também ao comércio de carnes, fumo, aguardente e artigos de contrabando.
Pequenos incidentes isolados serviram de pretexto para a revolta. Um deles foi o assassinato de um português casado com uma paulista, a quem maltratava. Outro foi a acusação de roubo de uma espingarda de um paulista feita a um português. Outro ainda foi o assassinato de um emboaba por um paulista que, fugindo, asilou-se na casa de seu patrão, depois morto pelos emboabas.
Em 1708, Manuel Nunes Viana, foi proclamado pelos próprios emboabas “Governador das Minas”. Eclodem as lutas, com combates em Sabará e Cachoeira do Campo. Os paulistas deixaram a região de Caetés, indo para o Rio das Mortes. Ali, sob a liderança de Bento do Amaral Coutinho, os emboabas massacraram 300 paulistas, daí derivando o nome do local, “Capão da Traição”.
Em 1709, foi organizada uma nova expedição, com 1.300 paulistas, comandada por Amador Bueno da Veiga. Os emboabas foram cercados no arraial da Ponte do Morro. Antonio de Albuquerque Coelho, governador do Rio de Janeiro, fez a intervenção no caso, impedindo novos derramamentos de sangue. Para Portugal, era fundamental a pacificação da região, o que significaria, como de fato ocorreu, a retomada da produção aurífera.
Como consequências da Guerra dos Emboabas, a capitania de São Paulo e Minas separou-se da capitania do Rio de Janeiro e, em 1711, São Paulo foi elevada da categoria de vila à categoria de cidade. Embora a região em litígio tivesse sido devolvida aos paulistas, estes preferiram deslocar-se mais para Oeste, chegando a Goiás e Mato Grosso.

Revolta de Felipe dos Santos, em Minas Gerais, 1720

Com a pacificação da guerra dos emboabas, a mineração começou a prosperar. A política de Portugal voltou-se para a fiscalização mais rígida, instalando Casas de Fundição em Vila Rica, Sabará, São João d’El Rei e Vila do Príncipe. Assim, ficava proibida a circulação de ouro em pó, pois todo ouro deveria ser transformado em barras. Ali seria cobrado o quinto e as barras seriam timbradas para se tornarem legais.
Na época do governo local do Conde de Assumar, os mineradores e comerciantes de Vila Rica se revoltaram, pretendendo a redução dos impostos, a abolição do monopólio do gado, do fumo, do aguardente e do sal. Eram contra a instalação das Casas de Fundição e contra a obrigatoriedade de pagar impostos baseados no imposto sobre o ouro.
Dois mil revoltosos, sob a liderança de José Peixoto da Silva, dirigiram-se ao palácio de Assumar, no Ribeirão do Carmo. Ardilosamente, Assumar aceitou todas as reivindicações dos rebeldes, para espanto de seus líderes e regozijo das massas, que, não desconfiando dos planos do governador, romperam em aclamações festivas.
Posteriormente, o Conde de Assumar enviou seus soldados contra os insurgentes. A repressão foi violenta, as casas dos rebeldes incendiadas, seus líderes presos, inclusive Felipe dos Santos, o mais popular entre eles. Foi enforcado, seu corpo arrastado pelas ruas de Vila Rica e esquartejado, como “castigo exemplar”.
A Revolta de Vila Rica, como também é conhecido o movimento, conseguiu adiar por cinco anos a instalação da Casa de Fundição. Além disso, a capitania de Minas Gerais separou-se da capitania de São Paulo. Apesar da violência contra os revoltosos, os ideais não foram esquecidos e servirão de base para a Inconfidência Mineira de 1789.


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

O PODER DO LIVRO

     O livro, o teatro, o cinema podem ser libertários. Por isso, o poder se incomoda, treme, fica nervoso e, com alguma frequência, pune.
     Para ser breve, a instituição Igreja Católica usou seu poder para punir na Santa Inquisição. A ditadura de Vargas controlava a opinião pública através do DIP, Departamento de Imprensa e Propaganda. O macartismo puniu nos Estados Unidos durante a Guerra Fria, enquanto  Stálin punia na URSS. As ditaduras militares burguesas puniam na América Latina.
     A História prova o poder da palavra, do livro. Pode a palavra abalar a  Igreja? Pode a palavra, a poesia, corroer os alicerces do Estado ditatorial? Pode, sim, pois as tão poderosas instituições têm medo do livro. Se não, por que persegui-lo? Por que queimá-lo? Por que invadir os palcos e bater em atores? Por que a tortura, física e psicológica?
     No caso do BRASIL RECENTE, o fim do AI5 e outras reformas retiraram a parte mais visível da ditadura. A ditadura visível foi substituída pela invisível, inteligente, a grande imprensa e os monopolizadores do que ver, do que assistir, do que usar.
     Parte da resistência era feita pelos jornais nanicos, também perseguidos, queimados, empastelados. E, muitas vezes, lá se ia a banca de jornais derrotada pelos incêndios das madrugadas. O poderoso poder tem medo de um nanico.
     E hoje, os poderosos da mídia conservadora e representantes da Casa Grande tremem com os cochichos da senzala. Os nanicos foram substituídos pela internet, e a palavra que liberta está aí, de novo, incomodando os poderosos.
     Há muitos motivos para o mau humor, quando se vive em democracia e a Casa Grande tenta levantar o chicote da censura. Mas também se pode usar o bom humor para, de maneira chapliniana, mostrar o poder de um LIVRO.

http://www.viomundo.com.br/humor/cloaca-news-a-privataria-tucana-o-filme.html

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

OS HOMENS E OS VERMES

“Pelos caminhos do mundo,
nenhum destino se perde:
há os grandes sonhos dos homens,
e a surda força dos vermes.”

(Cecília Meireles)

Àquele canto da cidade, o posto de saúde não chegou. Tampouco a farmácia. Chegou o cobrador de impostos.
Naquele outro canto, a polícia não entra. Tampouco a escola. Chegou a droga, em pedra, em pó, em ervas.
Em quase todos os cantos, o esgoto não chegou. Tampouco o lixeiro. Chegou o mosquito. E as doenças de pele. E as intestinais.
Na casa legislativa e no palácio executivo, a decência não chegou. Tão pouca honra, tão pouca ética. Chegou o salário dobrado, mais que dobrado. E a justiça foi castrada, paradoxalmente, pela lei,
Cantar o que, pelos cantos da cidade entristecida? Derrotados pelos seus algozes eleitos, eleitores atiram ovos...Haja ovos!
Mas, como nos ensina Cecília Meireles, “pelos caminhos do mundo, nenhum destino se perde: há os grandes sonhos dos homens, e a surda força dos vermes.” Os vermes têm força e são surdos aos sonhos dos homens. Mesmo assim, os homens sonham. Sonham com o médico, com a escola, água tratada, esgoto tratado, pelos quais já pagaram e continuam pagando.
Sem os vermes, os homens teriam um manjar de decência, produzido pelo néctar embriagador da Justiça maior que a lei.
Oxalá esteja chegando a hora em que os pretensos donos de nossos destinos irão para o banco dos réus. Tais vermes acreditam ter as rédeas da História em suas mãos. Acreditam que todos os homens somos vermes, mas não perceberam que estão apenas diante de um espelho. De um pequeno espelho. Porém, “pelos caminhos do mundo, nenhum destino se perde”. E, como diz outro poeta, “não sei qual é a hora, mas sei que há a hora”.
Nesta hora, e neste caso, o sonho dos homens começa com as urnas eleitorais, onde não atiraremos alguns poucos ovos. Milhares de ovos da esperança e da ética serão delicada e firmemente depositados. Aos vermes, vermicida!
A partir desta hora e deste caso, que cresçam os grandes sonhos dos homens, suas utopias, sem as quais não há movimento vital. Como viver sem elas, se as utopias nos alimentam, nos energizam?
Se ainda não agarramos a utopia de um futuro com Justiça, ao menos esfregamos o dedo em sua superfície e o colocamos na boca, como uma criança no bolo de aniversário antes da festa.
Quando a hora chegar, vamos nos lambuzar de novos grandes sonhos, pelos caminhos do mundo.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

FINAL DE ANO ESCOLAR

(Seria cômico, se não fosse trágico)

Nós, Professores, Diretores, Coordenadores, Psicólogos e outros envolvidos no processo de ensino-aprendizagem começamos a viver um momento delicado do ano letivo: seu encerramento. Conosco estão igualmente tensos os Alunos, nosso público-alvo, e seus pais. Estamos todos envolvidos nos Conselhos de Classe, última etapa da Promoção ou da Retenção dos alunos. No burburinho das falas, os limites, os dramas pessoais, uma fusão entre a subjetividade e a objetividade para decisões honestas, coerentes com posições tomadas durante todo o ano, por todos os envolvidos, sejam docentes ou discentes.
Acima de tudo, a decisão tem de ser educativa, jamais punitiva. É mais um exercício de autoridade sem cair no autoritarismo. E ter autoridade é muito diferente de ser autoritário. Ter em mãos a promoção ou a retenção de um aluno não pode ser entendido como Poder. Deve, sim, ser um serviço prestado pelo educador ao educando. Por outro lado, o educador não pode ser pressionado por qualquer forma de autoritarismo da Lei, da Direção, ou dos pais.
Fazer parte de um Conselho de Classe é saber superar a visão individual, muitas vezes individualista, e praticar democraticamente a soberania do ato de educar.


domingo, 4 de dezembro de 2011

SÓCRATES E DEMOCRACIA



A ditadura da morte,
a única que os homens não podemos derrubar,

levou Sócrates Brasileiro, brasileiro do mundo.

A outra ditadura

havia caído aos seus pés.

A da morte, ele não conseguiu driblar.



"Ganhar ou perder, sempre com DEMOCRACIA!"

Sempre, sempre, com democracia.

A democracia do atleta -doutor,

alto de gigantes pés pequenos.



No campo, foi grande entre os grandes,

não boiadeiro da boiada de hoje.

Boiadeiro entre boiadeiros

Cerezo, Falcão, Zico, Rivelino ...



Democrata nas vitórias.

Democrata nas derrotas.

Se a política apropriou-se do esporte,

com Sócrates, o esporte apropriou-se da política.

Democracia corintiana e títulos.



Soube ser ídolo e responsável,

atleta e cidadão num só corpo,

braço ao alto dentro e fora do campo.



Se eu fosse o dono do microfone, diria:

O mundo perdeu.

O mundo perdeu.

Agora, de calcanhar:

o mundo perdeu!