sábado, 23 de julho de 2011

POESIA MATEMÁTICA (Millôr Fernandes)

Às folhas tantas do livro matemático,
um Quociente apaixonou-se um dia,
doidamente,
por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
e viu-a do Ápice à Base,
uma Figura Ímpar;
olhos rombóides, boca trapezóide,
corpo retangular, seios esferóides.
Fez de sua uma vida paralela à dela,
até que se encontraram no infinito.
"Quem és tu?", indagou ele,
em ânsia radical.
"Sou a soma do quadrado dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
(o que em aritmética correspondea almas irmãs)
primos entre si.
E assim se amaram
ao quadrado da velocidade da luz,
numa sexta potenciação,
traçando ao sabor do momento
e da paixão
retas, curvas, círculos e linhas sinoidais
nos jardins da quarta dimensão.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideana
e os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E enfim resolveram se casar,
constituir um lar, mais que um lar, um perpendicular.
Convidaram para padrinhos

o Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro,
sonhando com uma felicidade integral
e diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
muito engraçadinhos.
E foram felizes até aquele dia
em que tudo vira, afinal,

monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum,
frequentador de círculos concêntricos,
viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,uma grandeza absoluta
e reduziu-a a um denominador comum.
Ele, Quociente, percebeu
que com ela não formava mais um todo, uma unidade.
Era o triângulo, tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era uma fração,
a mais ordinária.
Mas foi então que Einstein descobriu a Relatividade
e tudo que era espúrio passou a ser moralidade
como, aliás,
em qualquer sociedade.


(Texto extraído do livro "Tempo e Contratempo", Edições O Cruzeiro - Rio de Janeiro, 1954, publicado com o pseudônimo de Vão Gogo)

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