quarta-feira, 8 de agosto de 2012

RAÍZES DO POPULISMO NO BRASIL


RAÍZES DO POPULISMO NO BRASIL
PRIMEIRA PARTE:
VARGAS, RIO GRANDE DO SUL E PATERNALISMO
Paulo Schiling apresenta uma interessante visão da formação histórica de Vargas. Reproduzimos aqui algumas de suas ideias.
Vargas, típico fazendeiro gaúcho, incorporava todos os modelos dos caudilhos da região platina. Cabe lembrar que “geograficamente o Rio Grande do Sul foi mais rio-platense que brasileiro e durante um largo período esteve mais vinculado culturalmente com o Uruguai e Argentina do que com os estados do centro e norte do Brasil”. (SCHILING, Paulo. Como se Coloca a Direita no Poder.)
É provável que Vargas tenha recebido influências históricas de personalidades platinas, como Artigas e Rosas, mas é inegável a sua formação liberal-positivista. “Com Júlio de Castilho e Borges de Medeiros, as ideias de Augusto Comte foram filosofia e práxis governamentais durante três décadas no Rio Grande do Sul”.(Idem)
O Rio Grande do Sul apresentou, durante todo o processo histórico brasileiro, uma formação diferente da do resto do País. O modelo histórico global era assentado no latifúndio, na monocultura, no trabalho escravo e no caráter extrovertido da sua economia. No Rio Grande do Sul, a colonização consolidou-se com a criação de gado, de maneira nômade, a princípio, e sob a forma de grandes latifúndios posteriormente.
As disputas ali ocorridas foram constantes em vários níveis: lutava-se pela ampliação das fronteiras, pela manutenção e aumento do rebanho, pela política municipal e pela política estadual. Desta forma, foram sendo plasmados líderes “com características muito especiais, uma versão crioula do senhor feudal, uma mistura de estancieiro-chefe militar”. (Idem)
A criação de gado, somada às características acima, favorece, se não determina, o aparecimento de relações trabalhistas diferentes daquelas vistas em outras regiões do país. Onde predominava a agricultura de exportação, a intervenção do feitor no controle do trabalhador era brutal. No Rio Grande do Sul, onde o pastoreio é o denominador comum da economia, havia também o trabalho duro, mas “ao mesmo tempo, tinha muito de esporte e aventura” (Idem)
O fazendeiro gaúcho impunha sua liderança “não somente com base na relação patrão-assalariado, como também em função de sua capacidade de liderança, seu valor pessoal e sua coragem (…) O fazendeiro rio-grandense, no passado e ainda hoje em muitos casos, enfrenta o trabalho – para o rodeio, laça, castra, doma, marca, banha e cura seu gado – junto aos peões, justamente pelo mencionado caráter esportivo e aventureiro das lides do campo (…) o estancieiro comparte o churrasco e o chimarrão com a peonada, pelo menos nas jornadas de trabalho. Eram inegavelmente relações de trabalho muito especiais, que, apesar de manterem uma exploração econômica violenta, criavam vínculos pessoais que tornavam praticamente impossível a luta de classes”. (Idem)
É neste dado que podemos encontrar a formação do caráter patriarcal e paternalista. Para consolidar essa posição, o líder – carismático, como vimos – leva à pia batismal os filhos de seus subordinados, criando uma relação de para-parentesco ou pseudoparentesco.
Esses são alguns dos ingredientes básicos do populismo. E esses são alguns dos caracteres marcantes em Getúlio Vargas. Levado ao poder federal pela revolução de 1930, Vargas “tratou de aplicar no plano político nacional a experiência sociológica, primária, porém eficiente, de sua classe social: os fazendeiros gaúchos”. (Idem)
SEGUNDA PARTE:
1930 – UMA REVOLUÇÃO SUBDESENVOLVIDA
Em 3 de novembro de 1930, Getúlio Vargas recebe o poder das mãos da Junta Pacificadora, encerrando uma etapa daquela que foi chamada de Revolução de 1930.
Ao analisarmos esse marcante episódio da História do Brasil, verificamos que os historiadores tomam posições diferentes e até mesmo divergentes quanto ao mesmo. Para muitos, ela, a Revolução de 1930, foi a revolução burguesa do Brasil. Para outros, é o lado oposto, apresentando a revolução como meio de ampliação do mercado para a venda de carne de seus rebanhos.[i] Um terceiro grupo retrata que a Revolução de 1930 é “a simples escaramuça entre o imperialismo norte-americano e o inglês”, tomando por base a ajuda que a companhia Bond and Share deu ao movimento.
Contudo, as três posições não resistem à visão crítica. Em primeiro lugar, não se pode classificar de burguesa uma revolução, que tem suas origens em dois (ou três, se contarmos a Paraíba) Estados tipicamente oligárquico-latifundiários, movida contra outro Estado (São Paulo), também de domínio oligárquico, mas onde se forjava a burguesia industrial.
Em segundo lugar, para ampliar o mercado para a venda de carne não seria necessário a revolução. “Bastaria conseguir reformas cambiárias que possibilitassem uma maior exportação do produto ao mercado internacional, muito mais importante e atrativo do que o nacional”. (Idem)
 E não nos esqueçamos que Vargas foi Ministro da Fazenda de Washington Luís. Antes da década de 30, havia barreiras alfandegárias entre os Estados, dificultando o mercado nacional.
Em terceiro lugar, a política nacionalista posta em prática por Vargas, embora não radical, era uma manifestação contra o crescimento do imperialismo norte-americano e não contra o inglês, já decadente desde o fim da Primeira Guerra Mundial.
É natural, no entanto, que haja essas posições diferentes e todas elas com visões conflitantes sobre o movimento de 1930. Ele não é, do ponto de vista social, o encerramento nem o nascimento de grande mobilidade – ao menos horizontal – de nossa sociedade. Analisar as classes sociais de um país subdesenvolvido, que se encontram na passagem do campo para a cidade, das relações estruturais em mudança, é tarefa altamente complexa. As classes estão em formação e a sociedade está em movimento. Os valores de ontem podem ser os antivalores de hoje.
A Revolução de 1930 foi o movimento possível naquele momento histórico. Apresenta uma série de limitações, mas tratar dessas limitações seria cair numa discussão imprópria aos objetivos deste trabalho. Cabe, no entanto, citar pelo menos um elemento limitativo. O movimento de 1930 não se baseou numa teoria revolucionária clara e definida. Levou em seu bojo toda uma gama de contradições típicas do policlassismo que caracterizou seus dirigentes e seus militantes. Se fizermos um corte vertical nos elementos que realizaram o movimento, poderemos identificar uma verdadeira babel de interesses, de classes, de categorias e até mesmo de ideologias.
Por esse dado, e por outros, é que nos cabe categorizar o movimento de 1930 como uma revolução subdesenvolvida, esposando o conceito de Paulo Schiling.
Até mesmo a conceituação de “Revolução” pode ser condenada, se vista em sua profundidade. O movimento de 1930 não rompeu o processo histórico brasileiro, e esteve longe disso. Fruto de uma dissidência oligárquica, representou uma nova composição das classes dominantes. Uma resposta modernizadora às novas tendências socioeconômicas surgidas na década de 1920. Progenitora do populismo nascente, a “Revolução de 30” serviu mesmo de obstáculo à autêntica Revolução que alguns setores sociais acreditavam ser possível na época. Nesse sentido, vale destacar a lúcida decisão de Luís Carlos Prestes, figura maior do tenentismo, em não aceitar os insistentes pedidos para se engajar no movimento.
Em outras palavras, o movimento de 30 realizou a frase do oligarca Antonio Carlos, às vésperas da eclosão do movimento: - “Façamos a Revolução, antes que o povo a faça”. As notícias vindas da Europa Oriental, mais propriamente da URSS, chegavam aos ouvidos da classe dominante, atemorizando-a. A modernização decorrente da “Revolução de 1930” foi o preço pago pelos novos dirigentes às massas e às classes médias. “Conceder para não ceder” deve ter sido o rótulo da nova facção dirigente. Uma facção experimentada neste tipo de relacionamento, desde a sua formação.
TERCEIRA PARTE:
A BURGUESIA NÃO FAZ A REVOLUÇÃO.
A REVOLUÇÃO FAZ A BURGUESIA.
Durante o processo histórico de formação e cristalização do sistema capitalista, é possível identificar algumas rebeliões burguesas. Em grande parte delas, no entanto, o controle do poder político não ficou diretamente nas mãos burguesas, mas em alguém forte que representasse os interesses dessa classe. Sobre isso, já se manifestou Engels, ao definir bonapartismo “… é a verdadeira religião da burguesia moderna. Está cada vez mais claro que a burguesia não tem capacidade de governar diretamente, por sim mesma, e que, em consequência, onde não existe uma oligarquia – como na Inglaterra, que, em troca de uma boa paga, assume a administração do Estado e da sociedade para defender os interesses da burguesia – a forma mais usada é a instituição de uma semiditadura bonapartista (…) Os grandes interesses materiais da burguesia levam isso a cabo, ainda com a oposição da própria burguesia”. (ENGELS, F. citado por SCHILING, P. Op. Cit.)
Mais tarde, Lênin atualizaria essa mesma posição de Engels, ao analisar o bonapartismo do início do século XX: “A luta de classes entre a burguesia e o proletarismo agudizou-se até o insustentável (…). Não são essas contradições ideais para que floresça o bonapartismo? Se dá o nome de bonapartismo ao governo que, esforçando-se por aparentar imparcialidade, aproveita-se da luta aguda e extrema que se verifica entre os partidos capitalistas e dos operários…”. (Idem, ibidem)
Embora essas posições possam ser admitidas para o centro do sistema capitalista, não podemos apenas transportá-las para as “revoluções” periféricas. É importante que, no afã de se interpretar a realidade brasileira à base de situações e categorias verificadas em outras épocas, em outros países, não se transplantem mecanicamente as conclusões dos clássicos válidas para outras realidades.
Nos países subdesenvolvidos, a “Revolução” (como a de 1930 no Brasil) pode ter origem nos fenômenos clássicos – luta burguesa contra domínio oligárquico –; até mesmo o chamado bonapartismo pode ter a mesma base, ou seja, a incapacidade da burguesia fazer sua revolução e em assumir efetivamente o papel de classe dirigente. Essa possível identidade entre centro e periferia decorre da internacionalização do sistema, com a Europa lançando seus tentáculos burgueses, abraçando o mundo no colonialismo e no neocolonialismo.
Contudo, a especificidade da situação de periferia, confere aos países subdesenvolvidos uma realidade diferente daquela apresentada pelos países centrais. A própria burguesia dos países periféricos só vem a se plasmar com, pelo menos, um século de atraso em seu desenvolvimento econômico, social e político.
Na periferia do sistema capitalista, principalmente na América Latina, os Estados foram e são dirigidos por latifundiários e pelo setor exportador da burguesia mercantil. Estas facções dirigentes adotam sempre uma política livre-cambista (ortodoxa até a crise de 1929-30 e pragmática após esse episódio). A política livre-cambista, benéfica aos estados de economia já industrializada, torna-se um grande obstáculo para o surgimento da indústria nacional nos países subdesenvolvidos.
E é exatamente por ser periférico que um país capitalista subdesenvolvido torna-se incapaz de reter em seus cofres os capitais acumulados pela produção nacional. O comportamento de um país periférico obedece aos dogmas impostos pelo próprio sistema, tornando sua economia um escoadouro de capitais que são acumulados no centro. Este último instala, com raízes profundas, uma bomba de sucção dos valores produzidos pelos países satelitizados. A população do país subdesenvolvido passa a ser, inclusive, dominada pela ideologia imposta pelo centro do sistema, consolidando, desta forma, a mais terrível espécie de colonialismo: o cultural.
Somando-se essas características típicas da periferia (falta de uma política fiscal alfandegária protecionista; baixa capacidade de acumulação de capital) podemos concluir que a burguesia nacional subdesenvolvida é, antes de tudo, uma burguesia sem capital. Assim sendo, é praticamente impossível a ela própria, realizar, sozinha, uma revolução industrial em seu país. “Somente o Estado, pelo seu sistema financeiro, possibilitando créditos fáceis, baratos e com um mínimo de garantias, poderá suprir essa incapacidade, dando a oportunidade a que a burguesia se consolide como classe e protagonize o processo de industrialização. Apesar desse favoritismo creditício, a capacidade da burguesia não é suficiente para criar a indústria de base, que exige aplicação de capitais vultosos e sem os quais todo processo industrial seria fictício, pois ficaria na total dependência do fornecimento externo de matéria-prima industrial, como o aço”. (SCHILING, Paulo. Op. Cit.)
É de se concluir, portanto, que a burguesia de um país periférico é dependente do Estado, é uma burguesia artificial, frágil. A burguesia nacional, para tentar se expressar como classe, para romper alguns laços com a burguesia internacional nesse jogo de forças imposto pela divisão internacional do trabalho, busca na proteção do Estado a saída para romper com o status de desenvolvimento.
Pelas análises acima, no caso brasileiro, não podemos rotular a Revolução de 1930 como fruto do bonapartismo, como visto em outras revoluções. Em substituição a essa etiqueta, devemos considerar, sim, a função do paternalismo estatal. É o Estado que fez emergir a burguesia, proporcionando-lhe “proteção contra a concorrência internacional, créditos fáceis e baratos, um total liberalismo econômico interno (necessário a uma rápida acumulação de capital), a instalação da indústria de base que lhe proporcione matéria-prima e energia elétrica baratas e, ainda, o intervencionismo social por parte do Estado, que lhe assegure paz social”. (Idem, Op. Cit.)

QUARTA PARTE:
A EMERGÊNCIA DO PROLETARIADO E DA CLASSE MÉDIA
Ao analisarmos mais esses extratos de sociedade brasileira no momento que antecede a Revolução de 1930, podemos reforçar nossa posição em não aplicar mecanicamente o rótulo de bonapartismo para o Brasil. De forma alguma podemos aceitar, para esse caso, as palavras de Lênin, quando disse – sobre outras revoluções – que a luta de classes entre burguesia e proletariado havia se “agudizado até o insustentável”. Da mesma forma que a burguesia nacional, já analisada, o proletariado brasileiro era, na década de 1920, apenas um esboço, um traço fino e frágil num quadro emoldurado pelas oligarquias.
As lutas proletárias nesta época eram inúmeras, mas débeis em consistência e em resultados. Quantitativamente inexpressivo, o proletariado industrial brasileiro não passava dos 300.000 homens. Suas reivindicações mais violentas, envolvendo greves, piquetes, agitações, eram tratadas pelo governo como um “caso de polícia” e não como questão social, como atestam as palavras de Washington Luís, então presidente da República: “Ainda por muitos anos (…) a agitação operária será assunto que interessará mais à ordem pública do que a ordem social (…). Ela representa o estado de espírito de alguns operários, porém não de uma sociedade…”. O historiador Edgar Rodrigues (em Trabalho e Conflito. Rio de Janeiro, Ed. Do Autor, 1975) aponta para a década de 1900-1910 um total de 111 greves, na seguinte década, 258. Mas há divergências entre os autores analisados, como Paula Beiguelman (Os Companheiros de São Paulo. São Paulo, Ed. Símbolo, 1917), Ricardo Maranhão (Sindicatos e Democratização. São Paulo, Brasiliense) e o próprio Edgar Rodrigues
O proletariado brasileiro torna-se quantitativamente expressivo no bojo do crescimento industrial, a partir de Vargas e de Juscelino Kubitschek no poder, não antes.
Quanto às camadas médias, aqui consideradas como “aqueles setores da população que, não sendo detentores de capital, realizam o trabalho predominantemente não manual, quer trabalhando por conta, que vendendo a sua capacidade de trabalho a terceiros”, caracterizam-se pela heterogeneidade de interesses. Seus integrantes, diferenciados entre si, não expressavam uma coerência ideológica a ponto de constituir uma força política expressiva. Sua oposição ao regime oligárquico da República Velha era tênue e imediatista. Sua aspiração era a elevação social, a modificação de status. Seu grande temor era o descenso social. Desta forma, atuava como instrumento da própria classe dominante, opondo-se e distanciando-se ideologicamente das reais manifestações políticas proletárias, como atesta seu comportamento na grande greve de 1917.
Algumas vezes, no entanto, ela se associa provisoriamente às camadas inferiores, desde que seja para reivindicar reformas, não revolução.





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