sexta-feira, 24 de agosto de 2012

FASES DO POPULISMO NO BRASIL


AS FASES DO POPULISMO NO BRASIL
PRIMEIRA PARTE:
VARGAS -1930

No Brasil, o populismo teve início na década de 30 e foi encerrado com a queda de João Goulart, em 1964. Foi um “estilo” vigente na América Latina a partir da crise do Estado Oligárquico, que colocou em questão o poder das elites agrárias tradicionais e ao mesmo tempo deu condições para que os políticos se vinculassem às grandes massas. Como já vimos, no Brasil, Getúlio Vargas; na Argentina, Perón; no México, Cárdenas, são os grandes nomes. Cada país teve, na sua época, o líder capaz de empolgar as grandes massas.
O estilo populista sempre foi carregado de gestos e frases dramáticas, como esta  “Enganam-se redondamente os que julgam que o povo brasileiro me foi buscar e me reconduziu ao governo para pescar sardinhas. Vamos fisgar Tubarões”. (Mensagem de Ano Novo de Getúlio Vargas à nação, em 31 de dezembro de 1950, citado por José Honório Rodrigues para Caderno de Debates: História do Brasil, p. 31.)
 O suicídio de Vargas em 1954, a renúncia de Jânio em 1961, a deposição de Goulart são fatos que evidenciam as reviravoltas e as dificuldades dessa política.
No início dos anos 30, já podemos identificar o populismo, embora em fase embrionária. “O que vai lastrear, o que vai dar possibilidade do populismo é a presença das massas trabalhadoras na cidade. Na medida em que essas massas urbanas, do ponto de vista das reivindicações, se tornam um perigo em potencial e começam a ter um peso político, o populismo se torna possível. O projeto populista, nesse sentido, é também buscado por certos setores dominantes que tentam encontrar aliados nos estratos mais baixos da sociedade” (FAUSTO, Boris. Populismo: Capítulo Encerrado, IN: Caderno de Debates: História do Brasil, p. 33.)
           Nessa fase embrionária, anos 30, podemos detectar tentativas populistas, principalmente em São Paulo. Em primeiro lugar, surge a Legião Revolucionária de São Paulo, da qual se originou o PPP – Partido Popular Paulista –, que congregava com elementos como João Alberto e Miguel Costa. O nome desse partido não é ocasional, revela uma “tentativa típica de populismo, num momento em que o poder central, no caso Getúlio Vargas, não tinha ainda consolidado um projeto populista. Essa tentativa acaba fracassando. A razão essencial do fracasso reside no fato de que faltava uma das fases fundamentais para a instituição do populismo, num país como o nosso pelo menos, que é presença efetiva do interesse do Estado Nacional na consolidação de uma aliança de tipo populista”. (FAUSTO, B. Op, Cit, p. 34)

No final do Estado Novo de Vargas, contudo, o populismo já pode ser identificado com todos os elementos que o caracterizam. Nesse momento “a política populista é basicamente mediada por um setor que nós poderíamos chamar de uma intelligentia estatal pequeno burguesa. Ela é que dá vida ideológica efetiva para a montagem do populismo” (Idem, ibidem.)
Neste período, o Estado Novo, Getúlio forja o mito de ser o protetor das classes desamparadas, tornando-se o agente de transformação de um sistema tradicional baseado no coronelismo, para formar uma chefia carismática. Começa fazendo concessões aos trabalhadores, criando leis trabalhistas, mas atrela os seus sindicatos e partidos políticos à máquina administrativa governamental. Paradoxalmente, cria todo um aparato repressivo policial para sufocar qualquer exigência ou manifestação que partisse das massas.
O caráter paternalista é detectado quando do namoro do chefe de governo com as classes trabalhadoras. Estas estavam até então privadas de direitos e esses direitos começam a ser outorgados pelo Estado. Desta forma, outorgando direitos, o populismo, através do paternalismo, cria, pela primeira vez, um laço simbólico de uma figura ou de um setor da sociedade, um setor do Estado, que se preocupa com o trabalhador, que fala ao trabalhador, que – bem ou mal – na retórica, pelo menos, institui uma dignidade do mundo do trabalho no país.
Pode-se dizer, diante disso, que, se as leis trabalhistas foram boas para o povo, pois estas inexistiam até então, foram ótimas para o patrão, pois sua produção não está ameaçada pelas greves, agora proibidas e maravilhosas para o governo pois, assim, elimina o “caso de polícia”, as greves, os piquetes. “Não é ocasional que a figura de Getúlio seja uma imagem tão forte, tão presente, nas classes populares do Brasil e que ela consiga passar de geração a geração e permanecer, inclusive, com traços de mitificação tão evidente”. (Idem, ibidem.)
Para Fernando Henrique Cardoso (Populismo: Uma Crise no Estado), não podemos identificar apenas no carisma a origem populista. Na verdade, “não é que Getúlio tivesse em mente, ou o sistema de poder tivesse em mente, usar esse recurso. Simplesmente a legislação trabalhistas caminhava numa batida mais ou menos tradicional. Era uma forma de enquadrar reivindicações existentes espontaneamente na vida política e dar-lhes um sentido paternalista e, ao mesmo tempo, ligá-las ao Estado. Getúlio não começa populista”. (CARDOSO, Fernando Henrique. Populismo: Uma Crise no Estado. IN: Caderno de Debates: História do Brasil.)
                   No encerramento do Estado Novo, na metade anos 40, o populismo aparece claramente. O queremismo, organizado por Hugo Borghi, com apoio do Ministério do Trabalho, é o ponto de partida para essa fase, pois os militares retiram o seu apoio a Getúlio, enquanto os queremistas insistiam em uma Constituinte com Vargas. O próprio Vargas fazia discurso em 1º de maio de 1945 no Estádio do Vasco da Gama, enquanto seu Ministro do Trabalho, Marcondes Filho, usava a força do rádio pelo programa “A Voz do Brasil”, criação do Estado Novo. Está em gestação a ligação entre Estado e massa. Porém, classes dominantes, nacionais e internacionais, desencadearam a reação. Para elas, o queremismo era uma ameaça esquerdizante, uma guinada para a esquerda, uma vez que lastreado nas classes trabalhadoras e nos intelectuais do PTB e PCB. Assim, deposto Getúlio Vargas, as eleições ocorreram sem seu nome, dando vitória a seu ex ministro da Guerra, Gaspar Dutra.
O quinquênio de Dutra representa um parênteses no populismo, pelo menos ao nível federal. Mas os últimos anos da década de 40 transcorreram sob a sombra do “gorducho” Vargas. O próprio Dutra, filho da ditadura estadonovista, estava no poder graças à coalizão eleitoral entre PSD e PTB, partidos de grande coloração getulista. A construção e inauguração de Estádio do Maracanã, a realização da Copa do Mundo de 1950, as vitórias da Seleção Brasileira e até a comoção da derrota na final podem ser vistas com as cores do populismo. Mas não esconderam as pressões vindas dos Estados Unidos da América em relação à Guerra Fria: arrocho salarial, importação de supérfluos, ruptura com a URSS, fechamento do Partido Comunista e perseguição de seus integrantes.
Em 1950, Getúlio volta ao poder, desta vez pelas urnas, e tentará reformular sua imagem de ditador. Desenvolve um governo de cunho nacionalista, sugerindo algumas reformas de base. Expande a Cia. Siderúrgica Nacional, faz os planos para a Eletrobrás, nova lei de remessas de lucro, planos para reforma agrária, novas leis trabalhistas e nacionalização do petróleo, com a criação da Petrobrás.
Vargas e Prestes em comício
Todas essas medidas contrariam não só os interesses da classe dominante local, como dos grupos ligados ao capital estrangeiro. Internamente, a grande oposição se faz através da UDN, enquanto outros vários segmentos sociais apoiam as posições governamentais. Até mesmo os comunistas, por paradoxal que possa parecer, apoiavam o nacionalismo de Vargas, pois viam nele uma dose de anti-imperialismo.
A lei de criação da Petrobrás esteve na gaveta do governo durante, pelo menos, dois anos. Os grupos ligados ao capital externo rechaçavam com violência essa tentativa de nacionalização da prospecção do petróleo. É nesse momento que o Estado Populista apela para as massas, no jogo de forças contra a grande burguesia. Desenvolve-se a campanha “O Petróleo é Nosso”, apoiado por quase todos os segmentos sociais e grupos políticos que representam “o povo”. Foi uma das maiores movimentações de apoio a um governo no Brasil.
Lacerda socorrido após atentado
Com esse apoio, Vargas põe em vigor o Decreto 2.004, de 1953. Estava criada a Petrobrás. Mas se avolumava a grande campanha de oposição, liderada por Carlos Lacerda, pelo jornal Tribuna da Imprensa e dirigida pela UDN, aliada a grupos internacionais.
Pouco a pouco o Estado ia sendo minado. A maior demonstração desse princípio de fragilidade foi a queda forçada do jovem Ministro do Trabalho João Goulart, filhote político de Vargas.
Os escândalos decorrentes do Atentado da Rua Toneleros aceleravam o desgaste do poder pessoal do presidente e até mesmo de sua imagem frente à Nação. Quando a aeronáutica decide, por conta própria, apurar as responsabilidades do assassinato do Major Rubens Florentino Vaz, passava a atuar ilegalmente como Poder Judiciário. E o governo não tinha mais força para deter essa e outras irregularidades. Estavam abalados os alicerces do governo. Impossível um novo apelo às massas nas formas tradicionais do populismo.
A queda de Vargas e seu suicídio marcam a primeira grande crise no Estado Populista. E desta data, 1954, até o ano de 1964, teremos dez anos de crises no poder civil, crise cíclica no plano interno, evidentemente associada às transformações conjunturais determinadas pela Guerra Fria, descolonização, avanço das ideologias de esquerda, implantação e consolidação da Revolução em Cuba etc.
SEGUNDA PARTE:
JUSCELINO – 1956-1961
O populismo não foi uma característica exclusiva de Vargas. Como vimos, ele tem início com a Revolução de 1930, e é compreendido no contexto de crise política e de desenvolvimento econômico que se abre com aquele episódio de nossa história.
Como nos mostra Francisco Weffort, o populismo “foi a expressão do período da crise da oligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história brasileira e do processo de democratização do Estado que, por sua vez, teve que apoiar-se sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional de Vargas (1937-45), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes de massas da democracia de pós-guerra (1945-1964)”. (WEFFORT, Francisco C. O Populismo na Política Brasileira, p. 61.)
É nesse segundo tipo populista – líder de massas, carismático e paternalista do pós-guerra – que se enquadra Juscelino Kubitschek.
Em 1955, Juscelino vence as eleições presidenciais pelo PSD. Era um líder de classe média, embora contasse com o apoio das massas populares. Propunha como princípios governamentais o cristianismo, a democracia e o nacionalismo, prometendo também combater o comunismo.
Seu governo caracterizou-se pela meta desenvolvimentista, dando impulso à industrialização (sobretudo a automobilística) e pela entrada de capitais estrangeiros em larga escala, o que levou à internacionalização da economia brasileira.
Apoiado no trinômio que constituía a base de seu “programa de metas” (estradas, energia, transportes), JK empreendeu o mais ambicioso programa de obras públicas da história republicana, mudando a capital para Brasília.
Mas esse crescimento econômico acelerado desencadeou uma inflação galopante, cujas nefastas consequências abalaram por longo tempo os alicerces das estruturas econômicas brasileiras. As facilidades oferecidas aos capitais estrangeiros demonstraram que a ajuda tornou-se uma autêntica bomba de sucção dos recursos nacionais, exaurindo o País no pagamento de juros, royalties, lucros, dividendos, patentes, uso de técnicas e mão-de-obra especializada: com efeito, o Brasil tornou-se grande exportador de capitais, criando um gravíssimo círculo vicioso. O modelo de crescimento industrial por substituição de importados estava se esgotando e entrava em crise.
No caso JK, a feição populista é marcada, portanto, não no nacionalismo, mas no fato de proporcionar certa conscientização ao povo, pois o desenvolvimento industrial, mesmo dependente do capital externo, fez aumentar o número de operários em certas regiões do País, permitindo às massas populares uma ampla discussão sobre a economia nacional.
A quebra do nacionalismo não deve desfazer a imagem JK como populista, pois “produto de um período de crise e solidário em sua própria formação com as peculiaridades deste período, o populismo foi um fenômeno político que assumiu várias facetas e estas foram frequentemente contraditórias. Desse modo, é às vezes difícil para quem tenha vivido, de um modo ou de outro, os problemas políticos dessa etapa histórica, fazer uma referência de conjunto ao movimento populista que englobe toda a sua diversidade. Desde 1945 a 1964, são vários os líderes de ressonância nacional (três presidentes e alguns governadores de Estado) que buscam conquistar a adesão popular nos centros urbanos do país. Cada um deles tem um “estilo”, sua política pessoal sempre pouca explícita e sua ideologia, ainda menos explícita e muitas vezes confusa”. (WEFFORT, Francisco C. Op. Cit. p. 37.)
TERCEIRA PARTE:
A CRISE NO POPULISMO (JÂNIO QUADROS – 1961)
Jânio e a vassoura como símbolo
No processo político-partidário do período de 1945 a 1964, predominou um procedimento político voltado para o eleitorado urbano de massas.
Durante esse período, um dos políticos de mais rápida escalada ao poder foi, sem dúvida, Jânio da Silva Quadros. Nascido no Mato Grosso, foi principalmente em São Paulo que conseguiu votos. Sua importância política na capital paulista é incontestável, como nos mostra Fernando Henrique Cardoso ao dizer: “eu não conheço nenhum estudo sobre que tipo de massa apoiou Getúlio, quem foi getulista, mas não creio que houve uma constante no populismo. Por exemplo, numa certa altura em São Paulo, o janismo é mais forte que o getulismo”. (CARDOSO, Fernando Henrique. Op. Cit. p. 37)
A periferia de São Paulo – bairros da Lapa, da Mooca, Brás, Tatuapé – constituiu-se num vasto cordão industrial. Nos anos 40, ali eram eleitos candidatos do PTB, PCB e PSD; era São Paulo descendente do imigrante italiano. Na década seguinte, e principalmente  nos anos 60, a população nordestina passa a predominar nesses bairros periféricos, constituindo uma nova massa trabalhadora, migrante em função das indústrias surgidas no governo de Juscelino. “O janismo significou a incorporação dessa nova massa à qual eu me referia, da chamada “periferia” da cidade de São Paulo. Quando Jânio ganhou as eleições para a prefeitura de São Paulo, o que aconteceu? Não é o trabalhador da Lapa, da Mooca e do Brás que está na cabeça desse movimento – embora também votasse em Jânio. Era a Vila Maria. É a incorporação da periferia. E aí Jânio também faz uma política populista, mas um pouco diferente porque ele sobe fora do Estado, contra a corrente. Ele é vereador, vai ser prefeito, ele não tem apoio de políticos importantes e, para subir,mobiliza a massa”. (Idem. Op. Cit. p. 37)
Sua eleição para presidente da República contou com a estrondosa contagem de 5.604.000, e foi, até então, o presidente eleito com a maior soma de votos.
Mas é durante seu governo que o populismo vai entrar em crise. Sua retórica política defende a integridade nacional ao propor a autonomia nacional contra o colonialismo e contra o desequilíbrio econômico internacional. Propõe reforma agrária, reforma na lei de remessa de lucros, melhorias na assistência médica, fim da dependência tecnológica e reorganização livre dos sindicatos.
Eleito pela UDN, embora nunca tenha sido “Homem de Partido”, começa a contrariá-la, na medida em que assume posição adversa aos interesses do capital estrangeiro esboçando uma política externa independente, aproximando-se comercial e diplomaticamente dos países socialistas.
Os vários pontos de atrito existentes entre facções sociais que compunham o pacto populista começam a se revelar mais salientes, aprofundando as diferenças de interesses entre as camadas que dividiam as forças políticas. A crise econômica (JK) e a crise política (JQ) já expressavam, em 1961, a superação histórica do modelo populista. O Estado Populista era “conservador” para as forças sociais progressistas e “esquerdistas” para as forças sociais conservadoras. Abria-se o vazio institucional.
QUARTA PARTE:
O FIM DO POPULISMO (JOÃO GOULART – 1961-1964)
Jango, vice-presidente, líder do PTB, seria o sucessor de Jânio Quadros quando de sua renúncia. Forças sociais conservadoras, com elementos ligados ao capital estrangeiro, opõem-se à sua posse, numa atitude golpista. Entretanto, a ala nacionalista do Exército, políticos legalistas e forças progressistas fazem “campanha da legalidade”, favorável à posse de João Goulart na Presidência, garantida pelo texto constitucional.
A guerra civil era imineiminente, dado o grau de tensão. Para evitá-la, apelou-se para uma saída conciliatória, uma “solução de emergência”, a reforma constitucional instituindo o parlamentarismo, com Jango na Presidência.
O sistema parlamentar não resolveu o processo de crise pela qual passava o país. Pelo contrário, a crise se aprofundou. Em 6 de janeiro de 1963, realizou-se um plebiscito nacional, que rejeita maciçamente a experiência parlamentar, restabelecendo-se o presidencialismo.
Francisco Julião e as Ligas Camponesas
João Goulart bateu-se pelas “reformas de base” e foi acusado, entre outras coisas, de comunista. Uma série de agitações ocorria em todo o Brasil, colocando em questionamento a política presidencial, exigindo uma definição. Os progressistas chamam de “tímidas” as reformas propostas. Os conservadores querem anulá-las.
As classes dominantes temem a radicalização de esquerda. A burguesia se sente enfraquecida enquanto as massas populares começam a se organizar e fazer maiores reivindicações, como bem demonstra a formação da CGT e das Ligas Camponesas. A burguesia e chefes militares estavam inquietos e taxa de crescimento econômico, iniciada desde o último ano do quinquênio JK.
Espremido por todos os lados, o governo João Goulart vai perdendo bases de sustentação. Nesta época, os trabalhadores rurais e urbanos encontram-se mais politizados e aumentam suas exigências, ampliando, assim, as condições para a solução do impasse governamental de forma revolucionária.
Fim do impasse: os setores reacionários, conservadores, ligados ao capital, conseguem dar um golpe de Estado e derrubar o presidente. Encerra-se aqui o populismo brasileiro, pelo menos ao nível de governo federal.


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