AS FASES DO POPULISMO NO BRASIL
PRIMEIRA PARTE:
No Brasil, o populismo
teve início na década de 30 e foi encerrado com a queda de João Goulart, em 1964.
Foi um “estilo” vigente na América Latina a partir da crise do Estado
Oligárquico, que colocou em questão o poder das elites agrárias tradicionais e
ao mesmo tempo deu condições para que os políticos se vinculassem às grandes
massas. Como já vimos, no Brasil, Getúlio Vargas; na Argentina, Perón; no
México, Cárdenas, são os grandes nomes. Cada país teve, na sua época, o líder
capaz de empolgar as grandes massas.
O estilo populista sempre
foi carregado de gestos e frases dramáticas, como esta “Enganam-se redondamente os que julgam que o
povo brasileiro me foi buscar e me reconduziu ao governo para pescar sardinhas.
Vamos fisgar Tubarões”. (Mensagem de Ano Novo de Getúlio Vargas à
nação, em 31 de dezembro de 1950, citado por José Honório Rodrigues para Caderno de Debates: História do Brasil,
p. 31.)
O suicídio de Vargas em 1954, a renúncia de Jânio
em 1961, a
deposição de Goulart são fatos que evidenciam as reviravoltas e as dificuldades
dessa política.
No início dos anos 30, já
podemos identificar o populismo, embora em fase embrionária. “O
que vai lastrear, o que vai dar possibilidade do populismo é a presença das
massas trabalhadoras na cidade. Na medida em que essas massas urbanas, do ponto
de vista das reivindicações, se tornam um perigo em potencial e começam a ter
um peso político, o populismo se torna possível. O projeto populista, nesse
sentido, é também buscado por certos setores dominantes que tentam encontrar
aliados nos estratos mais baixos da sociedade” (FAUSTO, Boris. Populismo: Capítulo Encerrado, IN: Caderno de Debates: História do Brasil,
p. 33.)
Nessa
fase embrionária, anos 30, podemos detectar tentativas populistas,
principalmente em São Paulo. Em primeiro lugar, surge a Legião Revolucionária de São Paulo, da qual se originou o PPP – Partido Popular Paulista –, que
congregava com elementos como João Alberto e Miguel Costa. O nome desse partido
não é ocasional, revela uma “tentativa típica de populismo, num momento
em que o poder central, no caso Getúlio Vargas, não tinha ainda consolidado um
projeto populista. Essa tentativa acaba fracassando. A razão essencial do
fracasso reside no fato de que faltava uma das fases fundamentais para a
instituição do populismo, num país como o nosso pelo menos, que é presença
efetiva do interesse do Estado Nacional na consolidação de uma aliança de tipo
populista”. (FAUSTO, B. Op, Cit, p. 34)
No final do Estado Novo de
Vargas, contudo, o populismo já pode ser identificado com todos os elementos
que o caracterizam. Nesse momento “a política populista é basicamente mediada
por um setor que nós poderíamos chamar de uma intelligentia estatal pequeno
burguesa. Ela é que dá vida ideológica efetiva para a montagem do populismo” (Idem,
ibidem.)
Neste período, o Estado
Novo, Getúlio forja o mito de ser o protetor das classes desamparadas,
tornando-se o agente de transformação de um sistema tradicional baseado no
coronelismo, para formar uma chefia carismática. Começa fazendo concessões aos
trabalhadores, criando leis trabalhistas, mas atrela os seus sindicatos e
partidos políticos à máquina administrativa governamental. Paradoxalmente, cria
todo um aparato repressivo policial para sufocar qualquer exigência ou
manifestação que partisse das massas.
O caráter paternalista é
detectado quando do namoro do chefe de governo com as classes trabalhadoras.
Estas estavam até então privadas de direitos e esses direitos começam a ser
outorgados pelo Estado. Desta forma, outorgando direitos, o populismo, através
do paternalismo, cria, pela primeira vez, um laço simbólico de uma figura ou de
um setor da sociedade, um setor do Estado, que se preocupa com o trabalhador,
que fala ao trabalhador, que – bem ou mal – na retórica, pelo menos, institui
uma dignidade do mundo do trabalho
no país.
Pode-se dizer, diante
disso, que, se as leis trabalhistas foram boas
para o povo, pois estas inexistiam até então, foram ótimas para o patrão, pois sua produção não está ameaçada pelas
greves, agora proibidas e maravilhosas
para o governo pois, assim, elimina o “caso
de polícia”, as greves, os piquetes. “Não é ocasional que a figura de Getúlio
seja uma imagem tão forte, tão presente, nas classes populares do Brasil e que
ela consiga passar de geração a geração e permanecer, inclusive, com traços de
mitificação tão evidente”. (Idem, ibidem.)
Para Fernando Henrique
Cardoso (“Populismo: Uma Crise no Estado”),
não podemos identificar apenas no carisma a origem populista. Na verdade, “não
é que Getúlio tivesse em mente, ou o sistema de poder tivesse em mente, usar
esse recurso. Simplesmente a legislação trabalhistas caminhava numa batida mais
ou menos tradicional. Era uma forma de enquadrar reivindicações existentes
espontaneamente na vida política e dar-lhes um sentido paternalista e, ao mesmo
tempo, ligá-las ao Estado. Getúlio não começa populista”. (CARDOSO,
Fernando Henrique. Populismo: Uma Crise
no Estado. IN: Caderno de Debates:
História do Brasil.)
No encerramento do
Estado Novo, na metade anos 40, o populismo aparece claramente. O queremismo, organizado por Hugo Borghi,
com apoio do Ministério do Trabalho, é o ponto de partida para essa fase, pois
os militares retiram o seu apoio a Getúlio, enquanto os queremistas insistiam
em uma Constituinte com Vargas. O próprio Vargas fazia discurso em 1º de maio
de 1945 no Estádio do Vasco da Gama, enquanto seu Ministro do Trabalho,
Marcondes Filho, usava a força do rádio pelo programa “A Voz do Brasil”, criação do Estado Novo. Está em gestação a
ligação entre Estado e massa. Porém, classes dominantes, nacionais e
internacionais, desencadearam a reação. Para elas, o queremismo era uma ameaça
esquerdizante, uma guinada para a
esquerda, uma vez que lastreado nas classes trabalhadoras e nos
intelectuais do PTB e PCB. Assim, deposto Getúlio Vargas, as eleições ocorreram sem seu nome, dando
vitória a seu ex ministro da Guerra, Gaspar Dutra.
O quinquênio de Dutra
representa um parênteses no populismo, pelo menos ao nível federal. Mas os
últimos anos da década de 40 transcorreram sob a sombra do “gorducho” Vargas. O
próprio Dutra, filho da ditadura estadonovista, estava no poder graças à
coalizão eleitoral entre PSD e PTB, partidos de grande coloração getulista. A
construção e inauguração de Estádio do Maracanã, a realização da Copa do Mundo
de 1950, as vitórias da Seleção Brasileira e até a comoção da derrota na final
podem ser vistas com as cores do populismo. Mas não esconderam as pressões
vindas dos Estados Unidos da América em relação à Guerra Fria: arrocho
salarial, importação de supérfluos, ruptura com a URSS, fechamento do Partido
Comunista e perseguição de seus integrantes.
Em 1950, Getúlio volta ao
poder, desta vez pelas urnas, e tentará reformular sua imagem de ditador.
Desenvolve um governo de cunho nacionalista, sugerindo algumas reformas de
base. Expande a Cia. Siderúrgica Nacional, faz os planos para a Eletrobrás,
nova lei de remessas de lucro, planos para reforma agrária, novas leis
trabalhistas e nacionalização do petróleo, com a criação da Petrobrás.
Vargas e Prestes em comício |
A lei de criação da
Petrobrás esteve na gaveta do governo durante, pelo menos, dois anos. Os grupos
ligados ao capital externo rechaçavam com violência essa tentativa de
nacionalização da prospecção do petróleo. É nesse momento que o Estado
Populista apela para as massas, no jogo de forças contra a grande burguesia.
Desenvolve-se a campanha “O Petróleo é
Nosso”, apoiado por quase todos os segmentos sociais e grupos políticos que
representam “o povo”. Foi uma das maiores movimentações de apoio a um governo
no Brasil.
Lacerda socorrido após atentado |
Pouco a pouco o Estado ia
sendo minado. A maior demonstração desse princípio de fragilidade foi a queda
forçada do jovem Ministro do Trabalho João Goulart, filhote político de Vargas.
Os escândalos decorrentes
do Atentado da Rua Toneleros
aceleravam o desgaste do poder pessoal do presidente e até mesmo de sua imagem
frente à Nação. Quando a aeronáutica decide, por conta própria, apurar as
responsabilidades do assassinato do Major Rubens Florentino Vaz, passava a
atuar ilegalmente como Poder Judiciário. E o governo não tinha mais força para
deter essa e outras irregularidades. Estavam abalados os alicerces do governo.
Impossível um novo apelo às massas nas formas tradicionais do populismo.
A queda de Vargas e seu
suicídio marcam a primeira grande crise no Estado Populista. E desta data,
1954, até o ano de 1964, teremos dez anos de crises no poder civil, crise
cíclica no plano interno, evidentemente associada às transformações
conjunturais determinadas pela Guerra Fria, descolonização, avanço das
ideologias de esquerda, implantação e consolidação da Revolução em Cuba etc.
SEGUNDA PARTE:
JUSCELINO – 1956-1961
O populismo não foi uma
característica exclusiva de Vargas. Como vimos, ele tem início com a Revolução
de 1930, e é compreendido no contexto de crise política e de desenvolvimento
econômico que se abre com aquele episódio de nossa história.
Como nos mostra Francisco
Weffort, o populismo “foi a expressão do período da crise da
oligarquia e do liberalismo, sempre muito afins na história brasileira e do
processo de democratização do Estado que, por sua vez, teve que apoiar-se
sempre em algum tipo de autoritarismo, seja o autoritarismo institucional de
Vargas (1937-45), seja o autoritarismo paternalista ou carismático dos líderes
de massas da democracia de pós-guerra (1945-1964)”. (WEFFORT, Francisco
C. O Populismo na Política Brasileira,
p. 61.)
É nesse segundo tipo populista – líder de massas,
carismático e paternalista do pós-guerra – que se enquadra Juscelino
Kubitschek.
Em 1955, Juscelino vence
as eleições presidenciais pelo PSD. Era um líder de classe média, embora
contasse com o apoio das massas populares. Propunha como princípios
governamentais o cristianismo, a democracia e o nacionalismo, prometendo também
combater o comunismo.
Seu governo
caracterizou-se pela meta desenvolvimentista, dando impulso à industrialização
(sobretudo a automobilística) e pela entrada de capitais estrangeiros em larga
escala, o que levou à internacionalização da economia brasileira.
Apoiado no trinômio que
constituía a base de seu “programa de
metas” (estradas, energia, transportes), JK empreendeu o mais ambicioso
programa de obras públicas da história republicana, mudando a capital para
Brasília.
Mas esse crescimento
econômico acelerado desencadeou uma inflação galopante, cujas nefastas
consequências abalaram por longo tempo os alicerces das estruturas econômicas
brasileiras. As facilidades oferecidas aos capitais estrangeiros demonstraram
que a ajuda tornou-se uma autêntica bomba de sucção dos recursos nacionais,
exaurindo o País no pagamento de juros, royalties,
lucros, dividendos, patentes, uso de técnicas e mão-de-obra especializada: com
efeito, o Brasil tornou-se grande exportador de capitais, criando um gravíssimo
círculo vicioso. O modelo de crescimento industrial por substituição de
importados estava se esgotando e entrava em crise.
No caso JK, a feição
populista é marcada, portanto, não no nacionalismo, mas no fato de proporcionar
certa conscientização ao povo, pois o desenvolvimento industrial, mesmo
dependente do capital externo, fez aumentar o número de operários em certas
regiões do País, permitindo às massas populares uma ampla discussão sobre a
economia nacional.
A quebra do nacionalismo
não deve desfazer a imagem JK como populista, pois “produto de um período de crise e
solidário em sua própria formação com as peculiaridades deste período, o
populismo foi um fenômeno político que assumiu várias facetas e estas foram
frequentemente contraditórias. Desse modo, é às vezes difícil para quem tenha
vivido, de um modo ou de outro, os problemas políticos dessa etapa histórica,
fazer uma referência de conjunto ao movimento populista que englobe toda a sua
diversidade. Desde 1945 a
1964, são vários os líderes de ressonância nacional (três presidentes e alguns
governadores de Estado) que buscam conquistar a adesão popular nos centros
urbanos do país. Cada um deles tem um “estilo”, sua política pessoal sempre
pouca explícita e sua ideologia, ainda menos explícita e muitas vezes confusa”.
(WEFFORT, Francisco C. Op. Cit. p. 37.)
TERCEIRA PARTE:
A CRISE NO POPULISMO (JÂNIO QUADROS –
1961)
Jânio e a vassoura como símbolo |
Durante esse período, um
dos políticos de mais rápida escalada ao poder foi, sem dúvida, Jânio da Silva
Quadros. Nascido no Mato Grosso, foi principalmente em São Paulo que conseguiu
votos. Sua importância política na capital paulista é incontestável, como nos
mostra Fernando Henrique Cardoso ao dizer: “eu não conheço nenhum estudo sobre que tipo
de massa apoiou Getúlio, quem foi getulista, mas não creio que houve uma
constante no populismo. Por exemplo, numa certa altura em São Paulo, o janismo
é mais forte que o getulismo”. (CARDOSO, Fernando Henrique. Op. Cit. p. 37)
A periferia de São
Paulo – bairros da Lapa, da Mooca, Brás, Tatuapé – constituiu-se num vasto
cordão industrial. Nos anos 40, ali eram eleitos candidatos do PTB, PCB e PSD;
era São Paulo descendente do imigrante italiano. Na década seguinte, e
principalmente nos anos
Sua eleição para
presidente da República contou com a estrondosa contagem de 5.604.000, e foi,
até então, o presidente eleito com a maior soma de votos.
Mas é durante seu governo
que o populismo vai entrar em crise. Sua retórica política defende a
integridade nacional ao propor a autonomia nacional contra o colonialismo e
contra o desequilíbrio econômico internacional. Propõe reforma agrária, reforma
na lei de remessa de lucros, melhorias na assistência médica, fim da
dependência tecnológica e reorganização livre dos sindicatos.
Eleito pela UDN, embora
nunca tenha sido “Homem de Partido”, começa a contrariá-la, na medida em que
assume posição adversa aos interesses do capital estrangeiro esboçando uma política
externa independente, aproximando-se comercial e diplomaticamente dos países
socialistas.
Os vários pontos de atrito
existentes entre facções sociais que compunham o pacto populista começam a se
revelar mais salientes, aprofundando as diferenças de interesses entre as
camadas que dividiam as forças políticas. A crise econômica (JK) e a crise
política (JQ) já expressavam, em 1961, a superação histórica do modelo
populista. O Estado Populista era “conservador” para as forças sociais
progressistas e “esquerdistas” para as forças sociais conservadoras. Abria-se o
vazio institucional.
QUARTA PARTE:
O FIM DO POPULISMO (JOÃO GOULART –
1961-1964)
Jango, vice-presidente,
líder do PTB, seria o sucessor de Jânio Quadros quando de sua renúncia. Forças sociais
conservadoras, com elementos ligados ao capital estrangeiro, opõem-se à sua
posse, numa atitude golpista. Entretanto, a ala nacionalista do Exército,
políticos legalistas e forças progressistas fazem “campanha da legalidade”, favorável à posse de João Goulart na
Presidência, garantida pelo texto constitucional.
A guerra civil era
imineiminente, dado o grau de
tensão. Para evitá-la, apelou-se para uma saída conciliatória, uma “solução de emergência”, a reforma
constitucional instituindo o parlamentarismo, com Jango na Presidência.
O sistema parlamentar não
resolveu o processo de crise pela qual passava o país. Pelo contrário, a crise
se aprofundou. Em 6 de janeiro de 1963, realizou-se um plebiscito nacional, que
rejeita maciçamente a experiência parlamentar, restabelecendo-se o
presidencialismo.
Francisco Julião e as Ligas Camponesas |
As classes dominantes
temem a radicalização de esquerda. A burguesia se sente enfraquecida enquanto
as massas populares começam a se organizar e fazer maiores reivindicações, como
bem demonstra a formação da CGT e das Ligas Camponesas. A burguesia e chefes
militares estavam inquietos e taxa de crescimento econômico, iniciada desde o
último ano do quinquênio JK.
Espremido por todos os
lados, o governo João Goulart vai perdendo bases de sustentação. Nesta época,
os trabalhadores rurais e urbanos encontram-se mais politizados e aumentam suas
exigências, ampliando, assim, as condições para a solução do impasse
governamental de forma revolucionária.
Fim do impasse: os setores
reacionários, conservadores, ligados ao capital, conseguem dar um golpe de
Estado e derrubar o presidente. Encerra-se aqui o populismo brasileiro, pelo
menos ao nível de governo federal.
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