domingo, 8 de maio de 2011

PERNAMBUCO REBELDE

Há uma corrente defendida e divulgada por formadores de opinião que fala no pacifismo e no passivismo do povo brasileiro. Chega até a justificar tais ideias como fenômeno “natural”, como efeito do “clima tropical”. Mas a História do povo brasileiro desmente essa versão acientífica e até preconceituosa. Ela é ideológica e interessante às elites, sempre temerosas das ações populares.
Este texto nasceu de uma pergunta em sala de aula. Os alunos estavam interessados na História de Pernambuco, marcada por uma série de levantes, alguns apenas motins, outros verdadeiras revoluções. Muitos foram esmagados com maior ou menor violência pelas forças da reação.

A INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA
Pernambuco foi a capitania hereditária mais rica do Brasil colonial no período açucareiro. Foi palco da segunda invasão holandesa, ocorrida entre 1630 e 1654. Embora e elite agrária luso-brasileira tivesse resistido à invasão nos primeiros anos, acomodou-se aos vitoriosos que passaram a financiar a reconstrução de engenhos destruídos e o fornecimento de escravos. Eram os tempos de Maurício de Nassau no Brasil.
Mas a Holanda interrompeu os financiamentos, em função dos gastos com sua própria guerra de independência contra os Habsburgos do Sacro Império e Espanha e ainda da guerra contra a Inglaterra de Oliver Cromwell e seu Ato de Navegação de 1651. Os batavos passaram a cobrar os empréstimos, adotando a política de confisco de bens pessoais dos devedores. A aristocracia rural voltou a enxergar os holandeses como inimigos e passou a apoiar a luta pela expulsão dos invasores que, de fato, nasceu com a própria invasão.
Comandada por João Fernandes Vieira, André Vidal de Negreiros (ambos brancos), Henrique Dias (negro) e Felipe Camarão (índio), a Insurreição Pernambucana derrotou os holandeses em várias batalhas, como a do Monte das Tabocas (1645) e dos Guararapes (1648/1649). A vitória final ocorreu em 1654, com a expulsão dos invasores.
Em homenagem à vitória em Guararapes, o dia 19 de abril passou a ser o “Dia do Exército Brasileiro”.

REVOLTA DE NOSSO PAI (1666)
Após serem expulsos da Brasil, os holandeses se instalaram nas Antilhas e passaram a dominar a produção do açúcar. Como já dominavam a distribuição, lideraram o mercado internacional. O Nordeste brasileiro entrou em colapso econômico, especialmente Pernambuco, que foi arrasado pela guerra. Olinda e Recife estavam destruídas, canaviais queimados, escravos fugindo.
Mas, por outro lado, crescia o sentimento nativista, alimentado pela vitória militar da Insurreição Pernambucana. Foi esse nativismo a base da luta contra o governador Jerônimo de Mendonça Furtado, visto como “um estranho” pela elite pernambucana. Depois de preso e expulso, Mendonça Furtado foi substituído por André Vidal de Negreiros, um dos “quatro heróis” da Insurreição Pernambucana.

GUERRA DOS MASCATES (1710/1711)
A crise econômica continuava em todo o Nordeste açucareiro. Ficou mais aguda com a descoberta de ouro na região das Minas Gerais, deslocando o eixo econômico para o Centro-Sul da colônia. (Ver, neste blog, Mineração no Brasil Colonial).
A elite agrária do Nordeste, especialmente de Olinda, viu seus lucros reduzidos e suas dívidas crescerem. Os portugueses de Recife eram os credores. O nativismo crescia entre os olindenses, agora alimentado pela situação de devedores. No choque entre estes e os recifenses, tomaram a Câmara Municipal e ouviram o grito de Viva a República!
A rebelião foi debelada, mas ficou o grito, alinhavando futuras revoltas.

A CONSPIRAÇÃO DOS SUASSUNAS (1801)
Durante o século XVIII, o nativismo não era apenas uma tomada de posição ideológica contra o transoceanismo que afetou tanto os colonos nos primeiros séculos do Brasil. O sistema colonial estava em crise, como, por certo, todo o Antigo Regime europeu. O iluminismo, a Revolução Industrial, a Independência dos Estados Unidos, a Revolução Francesa e a conseqüente ascensão de Napoleão Bonaparte na França enterraram o mundo moderno e escancararam as portas do mundo contemporâneo, consolidando o capitalismo como modo de produção dominante.
Em Pernambuco, a facção letrada da elite agrária foi influenciada pelo iluminismo, pelas “abomináveis idéias francesas”, no dizer das forças conservadoras, absolutistas e reacionárias. O Areópago de Itambé, fundado em 1798 e o Seminário de Olinda eram centros difusores das novas ideias. Os irmãos Suassunas, senhores de engenho, articularam a independência de Pernambuco e a proclamação da República, que seria protegida por Napoleão Bonaparte.
Uma denúncia interrompeu os planos dos conjurados que foram presos e, logo depois, anistiados. Alguns, como o “Padre Miguelinho”, estarão envolvidos na Revolução de 1817.

REVOLUÇÃO PERNAMBUCANA (1817)
A Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana não passaram de reuniões conspiratórias, ou seja, não se transformaram em ação. Foram denunciadas e abortadas no berço. Mas a Revolução Pernambucana, que ganhou as ruas, chegou a tomar Recife e outras regiões em luta armada. Seus líderes foram Domingos Martins, José de Barros Lima, Frei Caneca, Antonio Carlos de Andrada e o Padre “Miguelinho”, Miguel de Almeida Castro.
Os rebeldes proclamaram a República e formaram um governo provisório, com apoio de parte das tropas locais. Receberam a adesão da Paraíba, do Rio Grande do Norte, do Ceará e de Alagoas. A presença da coroa portuguesa de D. João VI no Rio de Janeiro não trouxe benefícios ao decadente Nordeste, mas trouxe o aumento de impostos, a opressão militar e a manutenção do regime de monopólios comerciais aos portugueses.
A repressão ao movimento executou vários rebeldes, mas não conseguiu eliminar as causas mais profundas da luta. Os ideais revolucionários continuaram.

CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR (1824)
A aristocracia rural nordestina ganhou mais motivos para a revolta: D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte em 1823 usando a força e, em 1824, outorgou a primeira Constituição, liberal na forma e centralizadora no conteúdo.
A revolta eclodiu quando o Imperador nomeou Francisco de Paes Barreto para a Presidência da Província de Pernambuco.
Os rebeldes tomaram Recife, proclamaram a República de caráter federativo e liberal. A eles aderiram o Ceará, o Rio Grande do Norte e a Paraíba, formando a Confederação do Equador.
A repressão foi violenta, incluindo a ação de Lord Cochrane e Taylor, mercenários contratados pelo Império. Saques, assassinatos, fuzilamentos sumários marcaram a reação. Desta vez, Frei Caneca, veterano da Revolução Pernambucana não escapou na morte.

REVOLTAS NO PERÍODO REGENCIAL (1831/1840)
Em 1831, ocorreu a Novembrada e, no ano seguinte, a Abrilada. Republicanos federalistas, radicais liberais e nacionalistas levantaram-se contra portugueses, ainda detentores do monopólio comercial.
Em 1832, restauradores (“caramurus”) levantaram-se em defesa do retorno de D. Pedro I ao trono brasileiro. Foi a Revolta de Santo Antão.
No mesmo ano, e por três anos seguidos, no Sul de Pernambuco e no Norte de Alagoas, eclodiu a Revolta dos Cabanos. (Não confundir com a Cabanagem do Pará). A princípio, os rebeldes queriam a volta do Imperador D. Pedro I. Com a morte deste, em Portugal, os insurretos continuaram lutando, apoiados e apoiando a população mais humilde, brancos pobres, negros e índios. Tinha, portanto, um caráter social, lutando pelos mais explorados e excluídos.
Em 1834 e 1835, ocorreram as Carneiradas, lideradas pelos irmãos Antônio e Francisco Carneiro. Pretendiam combater o excesso de centralismo dos governos regenciais, defendendo ideais liberais e federativos.

A REVOLUÇÃO PRAIEIRA (1848/1850)
O início do governo de D. Pedro II não resolveu a crise nordestina que se arrastava de governo em governo sem solução. Pequenas rebeliões mantiveram o cenário de luta, como o Motim do Fecha-Fecha, de 1844 e o Motim do Mata-Mata, de 1847 e 1848.
Em novembro de 1848, começou a Revolução Praieira, a última importante do Império. A substituição de um gabinete liberal por um conservador, na capital do Império, desencadeou ao movimento rebelde. Porém, desta vez, não se tratava apenas de uma luta entre facções das elite, liberais contra conservadores. No bojo da revolução estavam a revolta as revoltas da população contra a concentração da terra, contra a exploração econômica e a marginalização política. Uma só família, a Cavalcanti, era proprietária da maior parte das terras agricultáveis, o que se refletia em força política.
Os ideais republicanos, federalistas, liberais e antilusitanos eram muito fortes e encontrados em lutas anteriores, desde o período colonial. Ao tomarem o poder, os praieiros proclamaram a República, nacionalizaram o comércio, instituíram a garantia do trabalho, o voto universal, a liberdade de imprensa e várias reformas sociais.
Os ecos da Primavera dos Povos e de ideais socialistas chegavam ao Brasil. Defendidas pelos liberais mais radicais, as ideias praieiras e a efetiva participação das massas populares no processo, assustaram muitos líderes do movimento. Temerosos do caráter popular, mudaram de lado e passaram a colaborar com as forças repressoras imperiais, enfraquecendo a luta. Apenas o capitão Pedro Ivo Veloso continuou a revolução, apoiando-se em forças populares. Foi traído pelo próprio pai e preso pelas forças repressoras.

2 comentários:

  1. Professor, muito bom esse texto. Obrigado por dividi-lo conosco. Abraços!

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  2. Muito obrigada pelos esclarecimentos, professor!
    Abraços!

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