sábado, 21 de julho de 2012

POPULISMO NA AMÉRICA LATINA


                                    O COLAPSO DAS OLIGARQUIAS 

   Durante as três primeiras décadas do século XX, as oligarquias agroexportadoras dominaram o poder na América Latina. No plano das relações internacionais, os governos estavam subordinados ao imperialismo, principalmente ao inglês. Afinal, como essas oligarquias eram exportadoras de gêneros primários, não podiam seriamente se incompatibilizar com os compradores internacionais. O Estado era, assim, a imagem e a semelhança dos interesses dessas oligarquias e das forças do industrialismo imperialista externo.
     A Primeira Guerra Mundial (1914 a 1918) envolveu as potências industriais que, pelo esforço de guerra, não puderam manter seu nível de exportação de industrializados para as áreas satélites. Enquanto suas exportações declinavam, suas importações de matérias primas, insumos e alimentos aumentava.  Na periferia, ocorreu o processo de substituição de importados e a fábrica chegou, embora com atraso de, pelo menos, um século. Com a fábrica, veio a urbanização e o crescimento do proletariado urbano. Veio também a burguesia urbana, a princípio umbilicalmente ligada às oligarquias tradicionais. E cresceram as classes médias urbanas, ligadas à expansão dos serviços públicos, do comércio varejista e do setor de serviços.     Independentemente de sua vontade, as elites agrárias dominantes viam crescer classes sociais (proletariado urbano, burguesia industrial e classes médias) que, enquanto classes, e de maneira mais ou menos intensa, lhe fariam oposição.
     A década de 1920 foi particularmente grave para o poder oligárquico. Por um lado, “um novo fantasma” assustava o mundo capitalista: a Revolução Bolchevique de 1917 e a vitória dos Russos Vermelhos sobre os Russos Brancos e seus aliados capitalistas na Guerra Civil ocorrida entre 1918 e 1921.
 Por outro lado, o liberalismo clássico dava sinais de esgotamento em função de suas contradições estruturais, a ausência do controle estatal sobre a economia. A crise, não sendo atacada em seu início, estourou em 1929 e se prolongou pelo período da “Grande Depressão”. E, evidente, o centro do sistema capitalista reduziu seus investimentos e suas importações de produtos primários. Embora não tenha sido a causa determinante, a Crise de 1929 foi o cenário para o colapso do poder das oligarquias tradicionais latino-americanas.
 As frequentes dissidências no seio das oligarquias, associadas à da crise do liberalismo, criaram um vazio de poder: as oligarquias já não conseguiam a unidade de poder como antes, as classes médias, a burguesia urbana e o proletariado eram ainda frágeis para assumirem o poder em seu próprio nome.
Neste vazio, nasceram e cresceram as forças do populismo, um estilo de poder cujo discurso propunha representar todas as classes e a defender  a economia nacional.

                                 TRÊS CONCEITOS DE POPULISMO

1) “… uma maneira determinada e concreta de manipulação das classes populares (…) um meio de expressão de suas inquietudes (…) uma forma de organização do poder pelos grupos dominantes e a principal forma de expressão política da ascensão popular no processo de desenvolvimento urbano e industrial”. (WEFFORT. IN: SAES, Décio. Industrialização, População e Classe Média no Brasil. p. 12.)

2) “Na América Latina não existe uma definição precisa de populismo; o uso corrente da palavra se refere, predominantemente, a movimento político de tipo urbano. Em sentido mais amplo, o populismo latino-americano pode definir-se como uma forma organizacional para sincronizar grupos de interesses divergentes, e se aplica a qualquer movimento não baseado em uma classe social específica”.(DI TELLA, Torcuato. IN: IONESCU e GELLNER (compiladores). Populismo.)

3) “O populismo se caracteriza como a ideologia das camadas médias já desembaraçadas da ascendência social das oligarquias e politicamente representadas pelo tenentismo nacionalista (…) numa conjuntura de transição capitalista periférica; todavia, o caráter embrionário das novas relações permite que o populismo penetre a classe operária em constituição e que se torne a sua forma essencial de expressão. (…) as forças do “compromisso” consagrarão objetivamente o populismo como estratégia política de desenvolvimento adequada a uma etapa de transição”.( SAES, Décio. Op. cit. p. 17)

CARACTERÍSTICAS GERAIS DO POPULISMO NA AMÉRICA LATINA

Os três populistas mais importantes da América Latina são Perón, na Argentina, Cárdenas, no México e Vargas, no Brasil. A partir dos conceitos citados anteriormente, podemos estabelecer uma caracterização ampla de populismo para a América Latina. 
Perón e Vargas se apoiaram mais nos trabalhadores urbanos, deixando em segundo plano os camponeses. Cárdenas incluiu os trabalhadores rurais em seu programa, realizando uma reforma agrária no estilo populista, longe da defendida pelo Plano de Ayala dos campesinos zapatistas.  Todavia, há características comuns, a saber:
a) o populismo só aparece em uma determinada etapa do desenvolvimento do capitalismo. Esta etapa é a que marca a separação do trabalhador dos seus meios de produção;
b) o populismo revela antagonismos de classe, sobretudo crise de hegemonia na classe dominante, no caso latino-americano, as oligarquias agrárias;
c) o processo de formação do populismo se inicia com uma fase bonapartista e termina na fase nacionalista. Entende-se por bonapartismo uma luta pelo poder; uma procura de equilíbrio entre as classes sociais que participam da coalizão populista a partir da caracterização do “vazio político”; uma hipertrofia do Executivo, com a consequente submissão do Legislativo; uma tentativa de organização do poder além do aparelho estatal ou a incorporação, pelo aparelho de Estado, de sindicatos e partidos políticos. Entende-se por nacionalismo, como característica do populismo, por certa dose de anti-imperialismo, sobretudo contra os Estados Unidos; como uma concepção de desenvolvimento autônomo (como a criação da Petrobrás no Brasil e da Pemex, no México); uma exigência de participação das forças sociais que os regimes oligárquicos tradicionais haviam mantido à margem do processo político; uma preferência pela coalizão ou frentes à ação das classes sociais;
d) o populismo é um fenômeno predominantemente urbano;
e) o populismo é uma etapa específica na evolução das contradições entre a economia nacional (burguesia nacional) e a economia dependente (burguesia internacional).
Assim, podemos inferir que, para a América Latina, o populismo é um movimento político de tipo urbano, com forte apoio popular, que revela o antagonismo de classes e de encadeamentos de relações econômicas e relações políticas, numa conjuntura de transição capitalista periférica, que procura sincronizar grupos de interesses divergentes.
Especificamente na América Latina, o populismo deve ser visto no contexto do processo de desenvolvimento das relações de produção capitalista. Corresponde a uma etapa específica na evolução entre a sociedade nacional e a economia dependente. Aí, o governo populista procura uma nova combinação entre as tendências do sistema social – em mudança – e as determinações da dependência econômica.
Na América Latina, como em outras partes do mundo (Estados Unidos e Rússia czarista), o populismo corresponde à etapa final do processo de dissociação entre trabalhadores e os meios de produção. Entre a estrutura rural, tradicional – onde o campo predomina sobre a cidade – e a estrutura urbana moderna – onde a cidade predomina sobre o campo – há um momento de transição, no qual o fenômeno do populismo encontra perfeitas condições de correspondência. É no momento de transição, e somente no momento da transição, que o populismo revela suas características definidoras.
O populismo latino-americano pode, como o foi, ser organizado em termos de Partido Político. Os partidos populistas são, segundo Alan Angel, policlassistas, de massa e reformistas, em oposição aos partidos “tradicionais”.
Um conteúdo essencial do seu policlassismo é, obviamente, a aliança de classes, um determinado “pacto populista” em que ocorrem barganhas entre as classes componentes dessa coalizão. O líder populista, necessariamente carismático, fica com a função de intermediário dessas barganhas, inclusive aquelas realizadas entre as massas e os grupos economicamente dominantes. É desta forma que a coalizão populista tende a obscurecer as características de cada classe, valorizando as massas, “o povo”, igualando ideologicamente interesses heterogêneos.

O ESTADO POPULISTA
Dois são os aspectos importantes da coalizão: primeiro, que toda política populista paga um preço pela adesão popular, qualquer que seja a amplitude de sua capacidade de manipulação; segundo, que o “vazio político” deixado pelas oligarquias dissidentes, aliado à descaracterização das classes sociais, permite a ascensão do Estado Populista.
Não podemos localizar a gênese do Estado Populista apenas no plano interno. Vários fatores conjunturais estão no alicerce dessa formação, como, por exemplo, a reformulação das relações e das estruturas de dependência, como ocorreu na passagem do liberalismo clássico para o keynesianismo, após a crise de 1929.
O advento desse novo tipo de Estado representa não uma ruptura no processo histórico, mas apenas uma modernização, uma renovação de relações. Muda o relacionamento do Estado com a Sociedade – ou desta com aquele – mas não muda, no essencial, o caráter capitalista das relações de dominação e apropriação econômica, típica do sistema capitalista.
Dentro do Estado Populista, o peso político específico das classes que compõem a coalizão não é igual. A burguesia faz prevalecer seus interesses e sempre rompe com o pacto quando se põe em perigo a classe dominante ou as condições de reprodução do capital. O proletariado e as classes assalariadas entram na composição do pacto motivadas por razões econômicas imediatistas. Mas o Estado Populista, quando em fase cristalina, consegue manipular em seu proveito todas as vozes de todas as classes, pois todas elas – burguesia, proletariado e outras – estão em vias de formação. E se o Estado já é definidamente populista, também são manobradas as sobrevivências políticas do antigo e derrotado Estado Oligárquico. Não podemos nos esquecer que o Estado Oligárquico, a partir da intensa urbanização e incipiente industrialização – que aceleram a formação da estrutura de classes sociais –, havia ultrapassado seus limites históricos de sobrevivência e explodido, permitindo surgir, de suas entranhas, o Estado Populista.
Quando começa a ocorrer a predominância da cidade sobre o campo, há nova divisão do trabalho, pois o desenvolvimento das relações de produção capitalistas altera as feições e estruturas urbanas. As camadas urbanas, ao negarem a oligarquia, o imperialismo, a economia primário-exportadora, passam a representar as bases sociais das estruturas do poder emergente: o Estado Populista. “O Populismo aparece também como um modo de organização política das relações de produção numa época em que se expandem as forças produtivas e o mercado interno”.(IANNI, Otávio. A Formação do Estado Populista na América Latina, p. 135)
Mas é no corpo definidor do populismo que se encontra seu paradoxo, seu anticorpo. As classes sociais que constituem o pacto populista continuam a se desenvolver como tais ao longo da duração da coalizão. Muitas vezes, a ruptura do populismo se dá por causa das contradições desenvolvidas entre as classes que compõem o próprio populismo.
A ruptura da coalizão pode revelar a um só tempo: as condições precárias em que se verificou a aliança; o caráter não harmônico de uma aliança entre desiguais; o indício de que as classes sociais não se apagam, mas desenvolvem-se no curso da aliança; ao longo da experiência populista, as classes sociais amadurecem suas especificidades.
A experiência populista corresponde a uma fase, sem dúvida peculiar, no desenvolvimento das relações de acomodação e antagonismo entre as classes sociais participantes da aliança.

Um comentário: