sábado, 5 de maio de 2012

IDADE MÉDIA: RELAÇÕES ENTRE A IGREJA E O ESTADO


INTRODUÇÃO: O SURGIMENTO E CONSOLIDAÇÃO DA IGREJA COMO INSTITUIÇÃO
                                                               (Constantino)
Nascido e crescido dentro do Império Romano, o cristianismo obteve vitórias importantes no século IV, depois de séculos de perseguição.  Em 313, o Imperador Constantino deu liberdade de  culto aos cristãos, pelo Edito de Milão. Foi ele também quem convocou o Primeiro Concílio de Niceia, em 325, condenando o arianismo, uma das primeiras e mais importantes heresias cristãs, além de reconhecer que o bispo de Roma, e não outro,  seria o chefe da Igreja.
(Concílio de Niceia)

 No final do século IV, o imperador Teodósio converteu o cristianismo na religião oficial do Estado Romano, inclusive proibindo o paganismo e confiscando templos dos não-cristãos.
Estavam, assim, iniciadas as relações entre a Igreja e o Estado que se desenvolveriam na Idade Média, às vezes de aproximação, mas muitas vezes de conflitos entre as partes.  Ao nascer, a Igreja identificou-se com o poder instituído do Baixo Império Romano adotando para sua organização interna o modelo administrativo e hierárquico do Estado. A crise estrutural do modo de produção escravista e as invasões bárbaras, ocorridas do século III ao século IX, redundaram no fim da unidade do Estado romano no Ocidente, substituída pelo fracionamento de vários reinos bárbaros. Enquanto a unidade romana desaparecia, a Igreja passou a ser a única instituição verdadeiramente organizada, centralizada, capaz de oferecer proteção e socorro às populações indefesas. Foi a Igreja, ainda, quem preservou grande parte da cultura clássica, greco-romana, da destruição típica de uma conjuntura belicosa e destruidora.
 Foi nesse contexto, no qual sua capacidade organizacional e unificada superou a capacidade do Estado, que a Igreja assumiu o caráter católico, ou seja, de universal.  Além disso, os membros do clero passaram a ser a maioria da minoria intelectual, monopolizando o saber elaborado, o ensino, as atividades culturais, a formulação dos princípios jurídicos, éticos e comportamentais.

A TEORIA DOS DOIS GLÁDIOS

Em 494, o Papa Gelásio I afirma a supremacia da Igreja sobre o Estado, com sua Teoria dos Dois Gládios, depois reforçada pelo Papa Gregório I (590-604) e Gregório VII (1073-1085). Essa teoria afirma que o Gládio Espiritual governa as almas e o Gládio Temporal governa os corpos. A primeira trata do espírito, e  é superior á segunda, que trata do corpo. Assim, o Poder Espiritual, da Igreja nucleada no papado, é superior ao Poder Terreno, dos leigos, dos príncipes, dos reis, dos imperadores.

AS RELAÇÕES ENTRE A IGREJA E OS FRANCOS

Clóvis (481-511), unindo as tribos dos francos, tornou-se rei e, apoiado pelo Papa, converteu-se ao cristianismo. Estavam iniciadas as fortes relações entre a Igreja e o Estado Franco.
Depois de Clóvis, os reis merovíngios tornaram-se “reis indolentes” e o verdadeiro dirigente do Reino foi o major domus (“mordomo”) ou Maire de Palais (“Prefeito do Palácio”).  Um deles foi Carlos Martel (ou Martelo) que, em 732, derrotou os muçulmanos em Poitiers, impedindo o avanço do Islão na Gália cristianizada. 
(Carlos Martel e a Batalha de Poitiers)

  Seu filho, Pepino, o Breve, reforçou ainda mais a ligação com o papado romano. A Igreja precisava das forças dos francos contra os lombardos e contra os bizantinos, e Pepino, o Breve, precisava do apoio papal para legitimar seu golpe contra o último rei merovíngio. Tornou-se Rei dos Francos, iniciando a Dinastia Carolíngia, abençoado por Roma. Por seu lado, derrotou os lombardos e doou à Igreja as terras do Patrimônio de São Pedro.  Tomou ainda, dos bizantinos,  a região de Ravena, incorporando-a aos domínios papais. Formaram-se, assim, os Estados Pontificais, ou Estados da Igreja.

                                                      (Carlos Magno: Imperador)
Com Carlos Magno, considerado o maior imperador medieval, mais uma vez as relações Estado-Igreja beneficiaram os dois lados: Carlos Magno derrotou definitivamente os lombardos, assegurando e ampliando as terras papais e o Papa Leão III, no Natal do ano 800 o coroou Imperador Romano do Ocidente, o que é um paradoxo, pois o imperador era franco, bárbaro,  não romano.

A QUERELA (OU QUESTÃO) DAS INVESTIDURAS

Entre os anos de 1075 e 1122, ocorreu um dos mais importantes choques entre o Estado e a Igreja, conhecido como Querela das Investiduras.  Envolveu, ente outros fatores, o direito de nomear bispos, ou seja, de  praticar a investidura. Do ponto de vista do imperador de Sacro Império Romano Germânico, era um direito seu, pois o bispado encontrava-se territorialmente dentro do Império. Do ponto de vista papal, evocando a Teoria dos Dois Gládios, era direito da Igreja, do Gládio Espiritual.
(Papa Gregório VII)

O Papa Gregório VII lutou contra os desvios clericais, contra os desregramentos eclesiásticos, como a simonia, o nicolaísmo e contra a interferência leiga, temporal, nas decisões da Igreja. Para ele, era preciso purificar o comportamento clerical e consolidar a supremacia da Igreja sobre o Estado.  Publicou um dos mais importantes documentos políticos da História da Igreja, o Dictatus Papae, que, entre outras coisas, proibia a investidura leiga e proibia qualquer autoridade leiga de intervir em eleições e escolhas eclesiásticas.
O imperador Henrique IV, interessado em manter feudos eclesiásticos vassalos do Império, recusou-se a acatar as decisões de Roma. Gregório VII o excomungou, o que significava  a privação dos direitos imperiais e a liberação para a ruptura dos laços de fidelidade de seus vassalos.  Henrique IV foi obrigado a pedir perdão ao Papa,  num episódio conhecido por Humilhação de Canossa.
O choque entre a Igreja e o Sacro Império continuou até a Concordata de Worms (1122), entre o Papa Calixto II e o imperador Henrique V. Consagrou-se a supremacia da Igreja sobre o Estado.

 O CATIVEIRO DE AVIGNON E O CISMA DO OCIDENTE
(Felipe, o Belo)

Durante o processo de formação da monarquia nacional francesa, Felipe IV, o Belo (1285-1314), estendeu seu domínio por vastas áreas, como a da região de Champagne, local de realização das feiras mais importantes da Baixa Idade Média, que atraía mercadores e mercadorias de três continentes, Europa, Ásia e África.  Tentou, sem sucesso anexar a rica região de Flandres. No campo jurídico, fundamentou seu governo no Direito Romano, que pressupunha um poder centralizado.
Porém, o Papa Bonifácio VIII pretendia manter a supremacia da Igreja contra a centralização do poder real.  Quando Felipe, o Belo, cobrou impostos sobre o clero, o Papa reagiu da maneira tradicional, excomungando o rei, na intensão de enfraquecê-lo diante de seus vassalos.  Contudo, a reação da Monarquia Francesa foi manter os tributos e prender o Papa.  O universalismo pontifical foi abalado pelo crescimento da afirmação do poder monárquico.
Com a morte de Bonifácio VIII, Felipe, o Belo,  interferiu e conseguiu a eleição do novo Papa, o francês Clemente V. Pressionado pelo rei, Clemente V foi obrigado a transferir a sede do papado de Roma para Avignon, dando início ao Cativeiro de Avignon, que se prolongou de 1307 a 1377.
(Avignon)


 Vários pontífices foram eleitos sob pressão da França e mantiveram  a sede naquela cidade francesa, até que o Papa Gregório XI reconduziu a sede da Igreja para Roma, em 1377.
Porém, no ano seguinte, Gregório XI morreu e as próximas eleições papais ocorreram em clima de competição entre as várias forças europeias, o que levou ao Cisma do Ocidente, que durou de 1378 a 1417. O novo Papa, Clemente VII, tomou posse em Avignon, apoiado pela França, Aragão, Castela, Leão, Chipre, Borgonha, Saboia e Nápolis. Outro Papa foi eleito em Roma, apoiado pela Dinamarca, Inglaterra, Flandres, Sacro Império, Hungria, Norte da Itália, Irlanda, Noruega, Polônia e Suécia. Portanto, a cristandade europeia tinha, ao mesmo tempo, dois Papas, um em Avignon e outro em Roma.

   A eleição e o exercício do papado não era apenas uma questão religiosa, interna da Igreja, mas um jogo político e diplomático dos poderes laicos.
Mas a situação do Cisma se complicou ainda mais, em 1409, quando o Concílio de Pisa tentou anular a força dos dois Papas, escolhendo um terceiro. Agora, a cristandade tinha três Papas. Acelerava-se a crise institucional da Igreja Católica.
Em 1414, no Concílio de Constança, a Igreja conseguiu finalmente voltar a se unificar, tendo apenas um Papa, Martinho V, que assumiu em Roma, em 1417.


(Habemus Papam)

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